Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou constitucionais as normas que reservam um número mínimo de dias para a exibição de filmes nacionais nos cinemas brasileiros, a chamada “cota de tela”, e a regra que determina que 5% dos programas culturais, artísticos e jornalísticos sejam produzidos no município para o qual foram outorgados os serviços de radiodifusão. As questões foram analisadas nesta quarta-feira (17), respectivamente, no Recurso Extraordinário (RE) 627432 e no RE 1070522, com repercussão geral (Temas 704 e 1013).

Cota de tela

A cota de tela foi criada pela Medida Provisória (MP) 2228/2001. Embora nunca tenha sido votada pelo Congresso, a MP permanece em vigor, pois foi editada antes da publicação da Emenda Constitucional (EC) 32/2001, que limitou a validade das medidas provisórias. Em relação às anteriores à sua publicação, elas ficam em vigor até que sejam revogadas ou que o Congresso Nacional delibere sobre elas, o que, neste caso, não ocorreu.

No RE 627432, o Sindicato das Empresas Exibidoras Cinematográficas do Estado do Rio Grande do Sul sustenta que a MP 2228/2021, regulamentada pelo Decreto 4.945/2003, fere, entre outros, o princípio da isonomia, porque não há determinação similar para outros segmentos do setor cultural, como livrarias ou emissoras de rádio e TV.

Incentivo à cultura nacional

Para o relator, ministro Dias Toffoli, a cota de tela é mecanismo para proteger obras brasileiras e possibilitar a exibição da produção audiovisual nacional em salas de cinema. Seu propósito é social e econômico, pois fomenta a indústria nacional, amplia a concorrência no setor e promove geração de empregos. Ele lembrou que, do ponto de vista econômico e estratégico, a medida é necessária, uma vez que o domínio internacional na exibição de filmes implica constante drenagem de recursos para fora do país.

Segundo o relator, a MP 2228/2001 não fere a liberdade de iniciativa das empresas de exibição de filmes nem o princípio da isonomia, conforme alegado pelo sindicato, mas apenas proporciona o acesso do público à produção cultural nacional. Toffoli lembrou que a Constituição Federal determina que o Estado deve ter forte presença para incentivar a cultura nacional, e se a política pública implementada pela cota de tela, por um lado, impõe uma restrição às empresas que administram salas de cinema, por outro favorece o desenvolvimento econômico, com o estímulo à produção audiovisual brasileira. Assim, não há qualquer inconstitucionalidade sob a ótica das liberdades econômicas. Ele destacou, ainda, que, segundo os dados oficiais sobre frequência a salas de cinema, não há qualquer encargo excessivo às empresas do setor.

Por maioria de votos, o Plenário negou provimento ao RE 627432. Ficou vencido o ministro Marco Aurélio, que entende que a imposição da cota não poderia ser feita por medida provisória.

Produção local

No RE 1070552, o objeto é o Decreto 52.795/1963. O recurso foi interposto pela União contra decisão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5) que invalidou a desclassificação da empresa Sistema de Comunicação Viaom Ltda. em licitação para delegação de serviços de radiodifusão nos municípios de Jupi e Betânia (PE), porque sua proposta técnica não atendia à condição estabelecida pelo edital relativa ao tempo dedicado a programas culturais, artísticos e jornalísticos locais previsto no decreto. Segundo o TRF, a limitação somente poderia ser estabelecida por lei.

O relator, ministro Luiz Fux, observou que a Constituição Federal (artigo 221) é clara ao estabelecer que a programação das emissoras de rádio e televisão deverão regionalizar a produção cultural, artística e jornalística, segundo percentuais estabelecidos em lei. Ele esclareceu que essa reserva de tempo representa o exercício do direito coletivo de acesso à cultura nacional e está disposta na alínea ‘c’ do parágrafo 1º do artigo 16 do Decreto 52.795/1963 e na alínea ‘h’ do artigo 38 da Lei 4.117/1962, ambos recepcionados pelo artigo 221 da Constituição Federal.

Fux salientou que, quando o Poder Público aumenta a oferta de programas locais, por meio de um percentual mínimo de exibição, porém sem qualquer vinculação prévia sobre o modo de inserção na grade programação, cria-se uma política pública de difusão da cultura que pode determinar a predileção por determinadas emissoras ou por horários específicos, no caso do rádio. Segundo ele, o interesse socialmente desejável é conquistar uma audiência cativa para os programas de rádio produzidos no mesmo município onde se situa o ouvinte, em favor da inserção, na comunidade política, do reforço aos laços de identificação e de pertencimento e da movimentação da economia local, entre outros interesses.

Por maioria de votos, foi dado provimento ao recurso. Ficou vencido o ministro Marco Aurélio, que entende que o percentual mínimo de produção local não pode ser fixado por decreto.

As teses de repercussão geral serão fixadas no início da sessão de amanhã (18). Com informações da assessoria de imprensa do STF.

Leia a íntegra do voto do ministro Dias Toffoli no RE 627432.

Leia a íntegra do voto do ministro Luiz Fux no RE 1070522.