A Lei Complementar nº 110/2001 criou o adicional do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), devido pelos empregadores em caso de despedida do empregado sem justa causa, à alíquota de dez por cento sobre o montante de todos os depósitos devidos durante a vigência do contrato de trabalho, acrescido das remunerações aplicáveis às contas vinculadas, conforme artigo 1º. 

A contribuição foi criada com o objetivo de recompor as contas vinculadas ao FGTS atingidas pelos expurgos inflacionários dos Planos Verão e Collor I. 

O tema é polêmico, pois, embora essa contribuição já tenha atingido a finalidade de “ajudar” a União, admite-se ainda a sua cobrança. 

Assim, no dia 17 de agosto de 2020, o Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal julgou o Recurso Extraordinário nº 878.313/SC, interposto pela empresa Intelbrás S/A – Indústria de Telecomunicação Eletrônica Brasileira. 

A recorrente aponta que a contribuição social do artigo 1º da Lei Complementar nº 110/2001 tornou-se indevida a partir de janeiro de 2007, tendo em vista o exaurimento da finalidade do mencionado tributo, bem como aduz que a arrecadação está sendo destinada a fim diverso do que, originalmente, justificou a criação da imposição tributária. 

Enfatiza, ainda, que as contribuições sociais se caracterizam pela finalidade, de modo que, ausente ou exaurida essa, passam a configurar impostos em clara violação aos artigos 149 e 154, inciso I, da Carta de 1988. 

O Senhor Ministro Alexandre de Moraes, em seu voto, divergiu do Relator Ministro Marco Aurélio e negou provimento ao recurso, que segue: 

(…) 

Da leitura da Lei Complementar 110/2001, não se extrai que sua finalidade seja exclusivamente a recomposição financeira das perdas das contas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS em face dos expurgos inflacionários decorrentes dos planos econômicos Verão e Collor. 

(…) 

Entendo, portanto, que a contribuição estabelecida pelo art. 1º da Lei complementar 110/2001 foi criada para reservação do direito social dos trabalhadores previsto no art. 7º, III, da Constituição Federal, sendo esta sua genuína finalidade. Em decorrência desta destinação principal – preservação dos direitos referentes ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS – foi autorizada a utilização dos recursos oriundos da referida contribuição para a compensação financeira das perdas das contas do FGTS sofridas pelos expurgos inflacionários em razão dos planos econômicos denominados “Verão” (1988) e “Collor” (1989). 

Entretanto, esta última destinação, prevista no art. 4º, da referida Lei, é apenas acessória e secundária, não tendo o condão de exaurir integralmente a finalidade para qual a contribuição se destina. (…) 

Dessa forma, o STF, por maioria, apreciando o Tema 846 da repercussão geral (Constitucionalidade da manutenção de contribuição social após atingida a finalidade que motivou a sua instituição), negou provimento ao Recurso Extraordinário, nos termos do voto do Ministro Alexandre de Moraes, Redator para o acórdão, vencidos os Ministros Marco Aurélio (Relator), Edson Fachin, Rosa Weber e Roberto Barroso. 

Foi fixada, assim, a seguinte tese: “É constitucional a contribuição social prevista o artigo 1º da Lei Complementar nº 110, de 29 de junho de 2001, tendo em vista a persistência do objeto para a qual foi instituída”. 

No entanto, o julgamento do dia 17 de agosto não enfrentou o argumento apresentado no Recurso Extraordinário nº 1.065.829/RS de que descabe a contribuição social prevista no artigo 1º da LC nº 110/01. 

Assim, cumpre esclarecer do que se trata o Recurso Extraordinário nº 1.065.829/RS: 

A empresa NATUMATE INDUSTRIAL DO MATE LTDA – EPP impetrou mandado de segurança, com pedido liminar, em face do Chefe da Gerência Regional do Trabalho em Lajeado – UNIÃO – ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO – Lajeado, objetivando provimento jurisdicional que ‘suspenda a exigência da contribuição instituída pelo artigo 1.º da Lei Complementar 110/2001 – contribuição social de 10% sobre os depósitos do FGTS, em caso de rescisão sem justa causa dos contratos de trabalho de seus funcionários’. 

No entanto, sobreveio sentença denegando a segurança, com extinção do processo com resolução de mérito, nos termos do art. 487, inciso I, do CPC/2015, combinado com o art. 10 da Lei nº 12.016/09. 

Opostos embargos de declaração pela impetrante, os mesmos foram parcialmente acolhidos somente para acrescentar a fundamentação, mantendo- se a conclusão do ora julgador. 

Dessa forma, a empresa apelou da decisão e sustentou, em síntese, a inexigibilidade da contribuição social do art. 1º da Lei Complementar nº 110/2001 para empresas optantes do Simples Nacional, tendo em vista que o art. 13, § 3º, da Lei Complementar nº 123/2006, ‘dispensou expressamente as empresas  do Simples do ‘pagamento das demais contribuições instituídas pela União’, dentre elas a contribuição do art. 1º da LC 110/01‘. Alegou, ainda, que a referida contribuição é inconstitucional, eis que vem sendo utilizada para finalidade distinta da inicialmente estabelecida, que era custear o ressarcimento dos valores devidos aos fundistas (correntistas do FGTS), em decorrência das perdas inflacionárias provenientes dos planos econômicos ‘Verão’ e ‘Collor I’. 

A Egrégia 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negou provimento à apelação, nos seguintes termos: 

(…) 

O art. 13, da Lei Complementar nº 123/2006, assim dispõe: 

Art. 13. O Simples Nacional implica o recolhimento mensal, mediante documento único de arrecadação, dos seguintes impostos e contribuições: 

I- Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica – IRPJ; 

II- Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, observado o disposto no inciso XII do § 1o deste artigo; 

III- Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL; 

IV- Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS, observado o disposto no inciso XII do § 1o deste artigo; 

V- Contribuição para o PIS/Pasep, observado o disposto no inciso XII do § 1o deste artigo; 

VI- Contribuição Patronal Previdenciária – CPP para a Seguridade Social, a cargo da pessoa jurídica, de que trata o art. 22 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, exceto no caso da microempresa e da empresa de pequeno porte que se dedique às atividades de prestação de serviços referidas no § 5º-C do art. 18 desta Lei Complementar; 

VII- Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS; 

VIII- Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS. 

§ 1º O recolhimento na forma deste artigo não exclui a incidência dos seguintes impostos ou contribuições, devidos na qualidade de contribuinte ou responsável, emrelação aos quais será observada a legislação aplicável às demais pessoas jurídicas:

(…) 

VIII – Contribuição para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS; 

(…) 

§ 3º As microempresas e empresas de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional ficam dispensadas do pagamento das demais contribuições instituídas pela União, inclusive as contribuições para as entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical, de que trata o art. 240 da Constituição Federal, e demais entidades de serviço social autônomo.

Considerando que a alínea ‘a’ do inc. III do § 2º do art. 149 da Constituição, com a redação dada pela EC 33/2001, não contém rol taxativo, resta claro que a contribuição social prevista no artigo 1º da Lei Complementar nº 110/2001 pode ser enquadrada como ‘Contribuição para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS’ a que se refere o inciso VIII do § 1º do artigo 13 da Lei Complementar nº 123/2006. 

Desse modo, pela interpretação conjugada dos §§ 1º e 3º do art. 13, verifica-se que as empresas optantes do Simples Nacional não se eximem do recolhimento de contribuição ao FGTS. 

Assim, tendo em vista a decisão desfavorável à recorrente, a mesma interpôs Recurso Extraordinário, sob o nº 1.065.829/RS, com apoio no art. 102, III, da Constituição Federal, alegando que, pelas redações do caput e do § 1° do art. 13 da LC 123/06, a contribuição social prevista no art. 1° da Lei Complementar nº 110/01 não seria exigível das empresas inscritas no Simples Nacional. 

Atualmente, o mencionado recurso encontra-se suspenso no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, aguardando o julgamento final do Tema 846 pelo Supremo Tribunal Federal. 

Portanto, há uma esperança no que se refere à inadmissibilidade do adicional do FGTS para as empresas inscritas no Simples Nacional. 

Importante ressaltar que o Simples Nacional é um regime tributário facilitado e simplificado para micro e pequenas empresas, que permite o recolhimento de vários tributos federais, estaduais e municipais em uma única guia, conforme explica o advogado Stéfano Ferreira. 

Já se tem, no ordenamento jurídico, um precedente de suspensão, via liminar, do recolhimento do adicional do FGTS a uma empresa optante do Simples Nacional, julgado em setembro de 2018. 

Tal demanda tratava-se de uma ação declaratória de inexistência de relação jurídico-tributária combinada com repetição de indébito, movida em face da União Federal, objetivando abster-se do recolhimento da contribuição instituída pela Lei Complementar nº 110/2001, por ser optante do SIMPLES nacional, fundamentando estar desobrigada de tal recolhimento conforme previsão expressa na Lei Complementar nº 123/2006. 

Conforme o voto do Juiz Federal Ronald de Carvalho Filho, do Juizado Especial Federal da 3ª Região: 

(…) 

Entendo, contudo, que referida contribuição não é devida pelas empresas optantes pelo SIMPLES Nacional tendo em vista o advento da LC nº 123/06, que instituiu o regime diferenciado de tributação, a qual não prevê em seu art. 13 o pagamento da referida exação. 

Desse modo, não tendo a contribuição social em exame sido  incluída  no  rol  de  tributos  sujeitos  a recolhimento unificado, previsto no referido dispositivo legal, nem sido excepcionada no § 1º do mesmo artigo, sua exigência apresenta-se indevida. 

Ademais, o § 3º do art. 13 dispõe que as microempresas e empresas de pequeno porte optantes pelo SIMPLES ficam dispensados do pagamento das demais contribuições instituídas pela União e não previstas na legislação. 

Desse modo, considerando que a Lei do SIMPLES Nacional é uma norma especial, deve prevalecer sobre a LC nº 110/2001, por se tratar de norma geral. 

Pelos fundamentos acima, entendo, nesse exame perfunctório, ser indevida a cobrança da contribuição de 10% do FGTS para a autora. 

Presente o risco de dano caso a autora deixe de recolher a contribuição em comento, sujeitando-se a eventuais cobranças e penalidades por parte do Fisco. 

Diante disso, DEFIRO o pedido de concessão da tutela de urgência a fim de suspender a exigibilidade da cobrança de alíquota de 10% sobre FGTS nas rescisões contratuais sem justa causa procedidas pela requerente até julgamento final deste feito. 

Fica claro, então, que o questionamento da cobrança do adicional de 10% do FGTS, previsto no artigo 1º da Lei Complementar 110/2001, não se trata apenas de um caso isolado. 

Assim, resta aguardar a decisão do Supremo Tribunal Federal no que se refere à inadmissibilidade do adicional do FGTS para as empresas inscritas no Simples Nacional.