A possibilidade do porte de armas pessoais é um tema muito presente entre as questões que envolvem a segurança pública no Brasil. O direito de segurança pública é constitucionalmente garantido e um dever do Estado que, através de seus órgãos, deve assegurar a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, conforme dispõe o caput do artigo 144 da Constituição Federal. Vejamos:

“Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos” (…)

Não obstante o importante papel do Estado, é certo que a população ainda se preocupa bastante com sua segurança, principalmente em razão dos altos índices de criminalidade do país. Assim, o resultado não poderia ser outro senão o desejo recorrente dos cidadãos pela adoção de medida acessória e suplementar, consistente, no caso, no porte de armas de fogo.

No Brasil, por sua vez, ainda que seja alta a demanda mencionada, a possibilidade de se conseguir uma autorização para porte e posse de armas de fogo é muito restrita e um tanto complicada.

Os advogados também estão no grupo de quem possui grande interesse na aquisição deste instrumento de proteção pessoal. Tal fato não nos surpreende, e dá-se em razão de praticamente dois fatores: a) o temor normalmente existente em razão dos índices de criminalidade; e b) o risco inerente ao próprio exercício da profissão.

Pois bem. O principal diploma jurídico que rege a questão em comento é a Lei nº 10.826/2003, popularmente conhecida como “Estatuto do Desarmamento”.

Inicialmente, importante destacar a seguinte diferenciação; o porte é a possibilidade de transitar legalmente com arma registrada, podendo mantê-la em sua residência ou trabalho; e a posse é a possibilidade de mantê-la legalmente, com o devido registro, dentro de casa ou do trabalho.

Ou seja, é indispensável que haja a autorização tanto para transitar com a arma, bem como para possuí-la. Ambas as situações somente estarão dentro da legalidade se concedidas pelo Estado, junto à Polícia Federal.

Tal autorização depende do preenchimento de requisitos cumulativos constantes do “Estatuto do Desarmamento” e demais normas regulamentadoras. Uma vez reunidos, deve o interessado direcionar seu pedido à Polícia Federal ou ao Exército que, através de processo administrativo – via online, na maior parte das vezes, – realizarão sua respectiva avaliação.

Os requisitos para o porte de arma de fogo estão os indicados nos artigos 4º, 6º e 10º do mencionado diploma, e são eles: a) demonstração da efetiva necessidade por exercício de atividade profissional de risco ou de ameaça à sua integridade física; b) documentação de propriedade de arma de fogo e devidamente registrada no órgão competente (Sistema Nacional de Armas – SINARM); c)  comprovação de idoneidade, certidões negativas de antecedentes criminais (Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral); d) não estar respondendo a inquérito policial ou processo criminal; e) ocupação lícita; f) residência certa; g) capacidade técnica; h) aptidão psicológica; e i) não ocupar as situações indicadas no artigo 6º do “Estatuto do Desarmamento”.

Ou seja, prevalece a ideia de que o sistema busca apenas gratificar com tal possibilidade o sujeito de idoneidade e capacidade geral.

O Delegado da Polícia Federal, por sua vez, ao receber o pedido, faz uma análise discricionária quanto a possibilidade de concessão do porte. É neste momento que, para muitos, surge o maior empecilho para a concessão, eis que relacionada ao requisito mais criticado entre os profissionais: a subjetividade da análise quanto a efetiva necessidade e/ou real existência de risco ou ameaça.

Para muitos, a mudança da composição do Poder Executivo (2018) trouxe esperança para a flexibilização dessas regras, porém, já não é mais o que acontece atualmente.

No início do ano de 2019 foi publicado o Decreto nº 9.785/2019, que se mostrou como uma excelente alternativa para muitos profissionais – entre eles os advogados -, vez que em seu artigo 20 lhes trouxera uma presunção juris tantum da “efetiva necessidade”, invertendo o ônus da prova para que o Delegado é quem tivesse que demonstrar o motivo de sua ausência em cada caso.

Infelizmente, foi também neste mesmo ano de 2019 que o referido decreto foi totalmente revogado por outro, de nº 9.847/2019, ou seja, a presumida “efetiva necessidade” em razão da profissão dos advogados deixou de existir.

Desse modo, o caminho estratégico para o profissional que deseja adquirir o porte/posse de armas voltou a ser o antigo: não se limitar a dizer que o pleito destina-se apenas à sua segurança pessoal e, em sua justificativa, ter de demonstrar cabalmente e de maneira fundamentada o motivo de sua necessidade.

O Decreto revogado também inseria os “advogados” dentro da categoria de “quem presta serviço público”, sendo certo que tal diferenciação entre advogados públicos e privados causaria efetiva desigualdade entre os profissionais.

Mas não é só, o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº 8.906/1994) estabelece no caput e §1º de seu artigo 2º que o advogado é indispensável à administração da justiça, bem como presta serviço público e exerce função social. Ou seja, passível a defesa para que os advogados privados também tivessem a presunção de existência de “efetiva necessidade” em razão de sua profissão.

Ainda nesse sentido, é necessário frisar que o princípio da igualdade é importante argumento para a apresentação do pleito, vez que o Estatuto da OAB estabelece em seu artigo 6º, in verbis: “não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos” – ou seja, devendo os advogados serem tratados com igualdade e, uma vez ausente a hierarquia, o risco que um sofre não é maior do que o outro!

Hoje, o advogado que desejar possuir autorização para o porte de armas deverá preparar-se para um processo longo e demorado. Inicialmente buscando capacitar-se através da obtenção de todos os atestados necessários e, num segundo momento, preparando-se para conseguir comprovar no pedido, de maneira inquestionável, que seu caso realmente se trate de uma “efetiva necessidade”.

Já que o pedido está condicionado a uma decisão discricionária, é importante que o advogado – que já possui tecnicidade – coloque em prática toda a sua expertise no momento de exercer seu ônus de provar o quesito da “efetiva necessidade”, de modo a não dar oportunidade pra que a autoridade julgadora do pleito profira eventual decisão de indeferimento.

O petitório, então, inicia-se com a apresentação de situação individualizada, devidamente fundamentada e com a efetiva demonstração da prova do risco que o advogado acredita sofrer, em conjunto com a juntada de todos os documentos que o tornem apto à realização do pedido.

Portanto, o risco alegado pelo advogado não deve ser genérico. Há de ser detalhado, individualizado, atual e efetivo, e o principal: possuir provas para todos os argumentos apresentados, podendo, inclusive, utilizar-se de Boletins de Ocorrência e Atas Notariais.

Assim sendo, a recomendação é que o advogado tenha cautela ao optar seguir por um caminho genérico no pedido, pois isso só aumentará as chances de seu indeferimento, tenha ele sido ele intentado na esfera judicial ou administrativa. Nesse sentido:

EMENTA: ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. AUTORIZAÇÃO DO PORTE DE ARMA DE FOGO. ADVOGADO. AMEAÇA À INTEGRIDADE FÍSICA. DILAÇÃO PROBATÓRIA. SEGURANÇA DENEGADA. 1. Pretensão (autorização do porte de arma de fogo pelo exercício da advogacia) que encontra óbice na proibição imposta ao Poder Judiciário de atuar como legislador positivo.  2. O ofício da advocacia não é classificado como “atividade profissional de risco”, para fim do art. 10º, §1º, I, da Lei nº 10.826/2003 (precedentes deste TRF/4). 3. Aprofundamento circunstancial para a concessão da autorização do porte de arma de fogo pelo Judiciário sob a alegação de ameaça à integridade física que exigiria dilação probatória, não admitida no rito especial do mandado de segurança. 4. Apelação improvida. (TRF4, AC 5007116-33.2018.4.04.7100, QUARTA TURMA, Relator CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, juntado aos autos em 04/04/2019 – g.n

Uma vez que o pedido administrativo se encontra em termos para ser apreciado, cabe ao Delegado deferi-lo ou não. Após a decisão, surge ainda a necessidade de averiguar-se a legalidade da decisão proferida.

Afinal, o processo administrativo deve observar o artigo 50 da Lei nº 9.784/1999, ou seja, a decisão deve estar devidamente motivada, indicando fatos e fundamentos jurídicos. Não só isso, também de rigor a obediência ao artigo 489, §1º do Código de Processo Civil, vez que aplicado de forma supletiva (artigo 15 deste diploma).

A decisão administrativa não pode ser aceita se não estiver devidamente fundamentada, e isso equivale a dizer que deve respeitar o “Princípio da motivação”, aplicado não só nas decisões proferidas no âmbito administrativo, mas também no do judiciário.

Desse modo, não havendo a indicação do motivo do indeferimento na decisão ou, sendo este genérico, cabe ao advogado atacá-la através de Recurso Administrativo e, não obtendo êxito, utilizar-se do mandado de Segurança para que a decisão seja então modificada, e proferida dentro dos preceitos da legalidade.

Em síntese, ausente a presunção objetiva da existência do efetivo risco dos advogados, estes se enquadram como os demais que objetivam conseguir o porte de arma de fogo. Ou seja, ainda que crível por muitos o risco da profissão, este deve ser cabalmente comprovado, além de preenchido os todos os demais requisitos.

Assim, deve o advogado se atentar-se para o cumprimento do ônus da prova com empenho, para que o pleito, tanto na esfera administrativa como no caso de eventual judicialização, seja favorável à autorização do porte de arma de fogo.

Há quem defenda a movimentação através da OAB para viabilizar essa possibilidade de porte como prerrogativa, porém, a matéria ainda é objeto de debate entre os profissionais.

Inclusive em junho do corrente ano (2020), houve a apresentação do Projeto de Lei nº 3.213/2020, que defende a inclusão da aquisição e porte de armas de fogo para defesa pessoal como direito dos advogados. Não obstante, ainda aguarda despacho do presidente da Câmara dos Deputados.

Por fim, aos advogados que possuam tal desejo, o importante é saber que muito embora o preenchimento dos requisitos para a concessão do pedido de porte/posse de arma de fogo seja um procedimento que demande esmero da parte interessada, seu deferimento é plenamente alcançável e passível de proporcionar ao advogado a sua tão almejada segurança pessoal.