A violação da cadeia de custódia – disciplinada pelos artigos 158-A a 158-F do Código de Processo Penal (CPP) – não implica, de maneira obrigatória, a inadmissibilidade ou a nulidade da prova colhida. Nessas hipóteses, eventuais irregularidades devem ser observadas pelo juízo ao lado dos demais elementos produzidos na instrução criminal, a fim de decidir se a prova questionada ainda pode ser considerada confiável. Só após essa confrontação é que o magistrado, caso não encontre sustentação na prova cuja cadeia de custódia foi violada, pode retirá-la dos autos ou declará-la nula.
O entendimento foi estabelecido por maioria de votos pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao conceder habeas corpus e absolver um réu acusado de tráfico de drogas, porque a substância apreendida pela polícia foi entregue à perícia em embalagem inadequada e sem lacre. Para o colegiado, como a origem e outras condições da prova não foram confirmadas em juízo, ela não poderia ser utilizada como fundamento para a condenação.
No pedido de habeas corpus, a defesa alegou que a quebra de custódia da prova geraria sua inevitável ilicitude, de modo que o juízo deveria, obrigatoriamente, determinar o seu desentranhamento dos autos e estender o reconhecimento da ilicitude para as provas derivadas.
Consequências processuais da quebra da cadeia de custódia
No voto acompanhado pela maioria do colegiado, o ministro Rogerio Schietti Cruz apontou ser incontroverso nos autos que o material recebido pela perícia estava acondicionado de maneira indevida – em sacos plásticos de supermercado, fechados apenas com um nó. A discussão do habeas corpus – esclareceu – dizia respeito às consequências da quebra da cadeia de custódia da prova para o processo penal.
O magistrado lembrou que, de acordo com o artigo 158-A do CPP – incluído pelo Pacote Anticrime –, considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes. Nos artigos seguintes, são descritas etapas para o recolhimento e acondicionamento de vestígios – tudo para garantir a sua inviolabilidade e idoneidade.
Depoimentos não confirmam se substância era do réu
Além de não terem sido respeitados os procedimentos previstos em lei para o acondicionamento da prova, o ministro destacou que os depoimentos prestados em juízo pelos policiais que atuaram no caso não permitem concluir se a substância apreendida estava realmente com o réu, ou se as sacolas encontradas pelos agentes simplesmente estavam próximas dele e poderiam pertencer a outra pessoa.
Além disso, no processo, o réu não admitiu que estivesse com as drogas, mas confessou que chegou a trabalhar para o narcotráfico.
Com base em todo o contexto dos autos, Schietti considerou que o fato de a substância ter chegado à perícia sem lacre e sem o acondicionamento adequado fragiliza a acusação de tráfico, pois não permite identificar se era a mesma que foi apreendida. Segundo o magistrado, a situação seria diferente se o réu tivesse admitido a posse das drogas ou se houvesse outras provas para apoiar a condenação.
“A questão relativa à quebra da cadeia de custódia da prova merece tratamento acurado, conforme o caso analisado em concreto, de maneira que, a depender das peculiaridades da hipótese analisada, podemos ter diferentes desfechos processuais” – concluiu o ministro ao absolver o réu do crime de tráfico. Ficou mantida, porém, a condenação por associação para o tráfico (artigo 35 da Lei 11.343/2006). Com informações da assessoria de imprensa do STJ.