Sob o rito dos recursos especiais repetitivos (Tema 986), a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu, por unanimidade, que devem ser incluídas na base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de energia elétrica a Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) e a Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (TUST), nas situações em que são lançadas na fatura de energia como um encargo a ser pago diretamente pelo consumidor final – seja ele livre (aquele que pode escolher seu próprio fornecedor de energia) ou cativo (os contribuintes que não possuem tal escolha).
Como o julgamento foi realizado sob o sistema dos repetitivos, a tese deve ser aplicada em processos semelhantes em trâmite nos tribunais de todo o país – as ações estavam suspensas até agora para a definição do precedente qualificado pelo STJ.
Após a definição do tema repetitivo, o colegiado decidiu modular os efeitos da decisão, estabelecendo como marco o julgamento, pela Primeira Turma do STJ, do REsp 1.163.020, tendo em vista que, até esse momento, a orientação das turmas de direito público do STJ era favorável aos contribuintes.
Dessa forma, a Primeira Seção fixou que, até o dia 27 de março de 2017 – data de publicação do acórdão do julgamento na Primeira Turma –, estão mantidos os efeitos de decisões liminares que tenham beneficiado os consumidores de energia, para que, independentemente de depósito judicial, eles recolham o ICMS sem a inclusão da TUSD e da TUST na base de cálculo. Mesmo nesses casos, esses contribuintes deverão passar a incluir as tarifas na base de cálculo do ICMS a partir da data da publicação do acórdão do Tema Repetitivo 986.
A modulação de efeitos não beneficia contribuintes nas seguintes condições: a) sem ajuizamento de demanda judicial; b) com ajuizamento de demanda judicial, mas na qual inexista tutela de urgência ou de evidência (ou cuja tutela anteriormente concedida não mais se encontre vigente, por ter sido cassada ou reformada; e c) com ajuizamento de demanda judicial, na qual a tutela de urgência ou evidência tenha sido condicionada à realização de depósito judicial.
Na hipótese de processos com decisões transitadas em julgado, a seção considerou que os casos devem ser analisados isoladamente, pelas vias judiciais adequadas.
Etapas de fornecimento de energia constituem sistema interdependente
O relator dos recursos especiais foi o ministro Herman Benjamin, segundo o qual o ordenamento jurídico brasileiro (a exemplo do artigo 34 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e do artigo 9º da Lei Complementar 87/1996) indica como sujeitas à tributação as operações com energia elétrica, desde produção ou importação até a última operação.
Por outro lado, o ministro lembrou que, após a edição da Lei Complementar 194/2022, o artigo 3º da Lei Kandir passou a prever expressamente que não incidia ICMS sobre os serviços de transmissão e distribuição e encargos vinculados às operações com energia elétrica. Esse dispositivo, contudo, teve eficácia suspensa pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por meio de decisão liminar na ADI 7195.
No contexto do sistema enérgico, apontou o relator, as etapas de produção e fornecimento de energia constituem um sistema interdependente, bastando-se cogitar a supressão de uma de suas fases (geração, transmissão ou distribuição) para concluir que não haverá a possibilidade de efetivação do consumo de energia.
No âmbito do STJ, Herman Benjamin comentou que a jurisprudência costumava considerar que a TUSD e a TUST não integravam a base de cálculo do ICMS sobre o consumo de energia elétrica, sob o fundamento de que o fato gerador ocorre apenas no momento em que a energia é efetivamente consumida.
Esse entendimento, contudo, foi modificado a partir do julgamento do REsp 1.163.020, quando a Primeira Turma estabeleceu que o ICMS incide sobre todo o processo de fornecimento de energia elétrica, tendo em vista a relação indissociável de suas fases, de forma que o custo de cada uma dessas etapas – incluindo-se a TUSD e a TUST – compõe o preço final da operação e, consequentemente, a base de cálculo do ICMS, nos termos do artigo 13, inciso I, da LC 87/1996.
Encargos intermediários só poderiam ser retirados do ICMS se consumidor comprasse diretamente das usinas
Na mesma linha de entendimento da Primeira Turma, Herman Benjamin considerou incorreto concluir que, com a apuração do efetivo consumo de energia elétrica, não integram o valor da operação (e, portanto, ficariam de fora da base de cálculo do ICMS) os encargos relacionados com as etapas anteriores necessárias ao fornecimento – a transmissão e a distribuição.
“Note-se que tão importantes são os aludidos encargos que o legislador os erigiu como essenciais à manutenção do próprio Sistema de Energia Elétrica e do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos mantidos com concessionários e permissionários do serviço público”, completou.
Para o relator, só seria possível afastar os encargos incidentes nas etapas intermediárias do sistema de fornecimento de energia elétrica se o consumidor final pudesse comprar o recurso diretamente das usinas produtoras, sem a utilização das redes interconectadas de transmissão e distribuição de energia. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.