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Constituição Federal de 1988, em seu artigo 127, definiu o Ministério Público (MP) como instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, responsável pela defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

Ao longo dos anos, o órgão assumiu novas funções e, em uma nova configuração, passou de mero guardião da lei (custos legis) a guardião do direito, do justo (custos juris). Tal atuação foi reforçada pelo legislador infraconstitucional em 2015, com a edição do novo Código de Processo Civil (CPC).

O diploma legal, no seu artigo 178, estabeleceu que o órgão será intimado para, no prazo de 30 dias, intervir como fiscal da ordem jurídica nas hipóteses previstas em lei ou na Constituição Federal e nos processos que envolvam interesse público ou social, interesse de incapaz e nos litígios coletivos pela posse de terra rural ou urbana.

Entre as mais variadas discussões que envolvem o MP e a sua atuação, o STJ tem apreciado questões relacionadas a falência e recuperação judicial, interdição, criança e adolescente, idosos e outros temas. Veja nesta reportagem.

Defesa da função social da empresa no processo de recuperação judicial

No REsp 1.884.860, a Terceira Turma analisou se o MP seria parte legítima para recorrer de decisão que, ao deferir pedido de processamento de recuperação de empresa, fixou os honorários do administrador judicial no patamar máximo. O recurso foi interposto por um escritório de advocacia, que alegou ausência de interesse público que justificasse a atuação do órgão ministerial.

Em seu voto, a relatora, ministra Nancy Andrighi, destacou que a interpretação conjunta do artigo 52, V, da Lei de Falência e Recuperação de Empresas (LFRE) e do artigo 179, II, do CPC/2015 evidencia ser tal situação uma hipótese em que a atuação do MP se justifica pelo seu papel de fiscal da ordem jurídica, zelando, em nome do interesse público – função social da empresa – para que não sejam constituídos créditos capazes de inviabilizar a consecução do plano de soerguimento.

No primeiro dispositivo, como lembrou a magistrada, determina-se a intimação do MP a respeito da decisão que defere o processamento da recuperação. No CPC/2015, autoriza-se, expressamente, a interposição de recurso pelo órgão ministerial quando a ele couber intervir como fiscal da ordem jurídica.

Fiscalização da lei não se confunde com representação do interditando

A Terceira Turma do STJ entendeu que a participação do Ministério Público como custos legis em ação de interdição não supre a falta de nomeação de curador à lide, devido à antinomia existente entre as funções de fiscal da lei e de representante dos interesses do interditando.  “Considero a ausência de nomeação de curador à lide vício insanável, cuja consequência é a nulidade absoluta do processo de interdição”, afirmou a relatora do processo, ministra Nancy Andrighi.

Apesar de reconhecer que a participação do MP nos processos de interdição é obrigatória e imprescindível, a magistrada lembrou que, ao atuar como custos legis, o órgão tem a função de intervir como fiscal da ordem jurídica – atribuição incompatível com a curadoria, a qual busca a promoção dos interesses do interditando, parte vulnerável na ação de interdição.

“De forma a dirimir a incompatibilidade de funções, a Lei Complementar 80, de 12 de janeiro 1994, dispôs, em seu artigo 4º, XVI, ser a curadoria especial função da Defensoria Pública. No mesmo sentido, o Código de Processo Civil de 2015 também endossou o entendimento pela incompatibilidade, tendo retirado do ordenamento a possibilidade de o MP participar do processo de interdição como curador especial”, afirmou Nancy Andrighi (processo em segredo de Justiça).

Falta da DP na comarca não autoriza MP a defender curatelando

Reforçando o entendimento anterior, a Terceira Turma, em outro recurso também sob a relatoria da ministra Nancy Andrighi, definiu que o MP não pode atuar como defensor de curatelando quando não há órgão da Defensoria Pública na comarca.

“A inexistência, em determinada comarca, de órgão da Defensoria Pública do estado para exercer a curadoria especial deve ser suprida segundo as normas locais que regulamentam a sua organização e o seu funcionamento, e, na impossibilidade de tal suprimento, há de ser designado advogado dativo“, considerou a magistrada (processo em segredo de Justiça).

Reflexo no interesse de menores nem sempre justifica atuação do custos legis

Outro caso de destaque da Terceira Turma é o REsp 1.243.425, em que o colegiado decidiu que o fato de o réu de ação de reintegração de posse viver com filhos menores no imóvel objeto da controvérsia, por si só, não torna obrigatória a intervenção do MP no processo.

A relatoria foi do ministro Villas Bôas Cueva, segundo o qual, como a ação foi ajuizada tão somente contra a mãe dos menores, não se evidenciou interesse público pela qualidade da parte, já que o processo afetava os incapazes apenas de forma reflexa. 

“A atuação do Ministério Público importaria na defesa de direito disponível, de pessoa maior, capaz e com advogado constituído – situação não albergada pela lei”, afirmou o magistrado.

Limites à intervenção do MP em processos que envolvem idosos

Ao interpretar os artigos 74 e 75 do Estatuto do Idoso, o STJ concluiu que é desnecessária a intervenção do Ministério Público na qualidade de fiscal da lei em demandas que não envolvam direitos coletivos ou em que não haja exposição de idoso aos riscos previstos no artigo 43 daquele diploma legal. O entendimento foi abordado na edição número 100 de Jurisprudência em Teses (tese 3).

“O só fato de a relação jurídico-processual conter pessoa idosa não denota parâmetro suficiente para caracterizar a relevância social a exigir a intervenção do Ministério Público”, afirmou o ministro Luis Felipe Salomão, relator, ao julgar agravo no AREsp 557.517.

Também aplicaram a tese os ministros João Otávio de Noronha (AREsp 755.993), Villas Bôas Cueva (REsp 1.202.107), Paulo de Tarso Sanseverino (AREsp 300.800) e Gilson Dipp (EREsp 1.267.621).

Participação é obrigatória em desapropriações para reforma agrária

Reafirmando a jurisprudência consolidada do STJ, o ministro Herman Benjamin, seguido pela Segunda Turma, votou no REsp 1.681.249 pela participação obrigatória do MP nas ações de desapropriação da reforma agrária.

“A intervenção do MP nas ações de desapropriação de imóvel rural para fins de reforma agrária é obrigatória, indisponível e inderrogável, porquanto presente o interesse público”, afirmou o magistrado, relator do processo.

O colegiado definiu ainda que, nesse caso, a falta de intimação do MP para atuar no feito como fiscal da lei é vício que contamina todos os atos decisórios a partir do momento processual em que o órgão deveria se manifestar.

Legitimidade para ação coletiva em defesa dos beneficiários do DPVAT

Em caso relatado pelo ministro Marco Buzzi (REsp 858.056), a Segunda Seção, em juízo de retratação, estabeleceu que o MP detém legitimidade para ajuizar ação coletiva em defesa dos direitos individuais homogêneos dos beneficiários do seguro DPVAT – seguro obrigatório, por força da Lei 6.194/1974, voltado para a proteção das vítimas de acidentes de trânsito.

Foi proposto, ainda, o cancelamento da Súmula 470 do STJ, que afastava a atuação do MP para essas ações. A modificação se deu em virtude de orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no Recurso Extraordinário 631.111 (Tema 471).

Em seu voto, o relator afirmou que, tendo em vista a natureza e a finalidade do DPVAT, o seu adequado funcionamento ultrapassa os interesses individuais dos segurados, havendo, portanto, manifesto interesse social nessa controvérsia coletiva, na linha do que foi decidido pelo STF.

Exercício pelo chefe do MP de funções delegadas a outros membros

No REsp 1.594.250, a Sexta Turma entendeu que o procurador-geral de Justiça adjunto pode recorrer em processo no qual outro membro do MP estadual atuou. A relatoria foi do ministro Rogerio Schietti Cruz, que recordou em seu voto os princípios institucionais previstos no artigo 1º da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei 8.625/1993): unidade, indivisibilidade e independência. 

“A atuação supletiva dos procuradores de Justiça não impede que o próprio procurador-geral ou o procurador-geral adjunto exerçam alguma das atribuições que são delegadas. Pela teoria dos poderes implícitos e por dedução argumentativa, se o procurador-geral delega a atuação, nada impede que possa exercê-la”, afirmou o magistrado.

Na origem, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN) se absteve de julgar embargos de declaração opostos pelo procurador-geral de Justiça adjunto, por entender que essa autoridade não teria legitimidade para recorrer, uma vez que não atuou no processo anteriormente.

Rogerio Schietti destacou ainda que a divisão interna do MP é competência do próprio órgão, que deve decidir sobre as atribuições de seus membros, não podendo o Judiciário fazê-lo.

MP estadual pode atuar no STJ como parte na ação de improbidade 

Outra importante tese consolidada no âmbito do Tribunal da Cidadania define que o Ministério Público dos Estados (MPE) possui legitimidade recursal para atuar como parte no STJ nas ações de improbidade administrativa, reservando-se ao Ministério Público Federal (MPF) o papel de fiscal da lei.

O entendimento, que consta da edição 38 (tese 3) de Jurisprudência em Teses, foi firmado na Corte Especial do STJ, no julgamento do EREsp 1.327.573, sob a relatoria do ministro Ari Pargendler.

Na ocasião, o colegiado, analisando recurso interposto pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), ampliou sua interpretação sobre o parágrafo 1º do artigo 47 da Lei Complementar 75/1993, ao entender que a atuação do MPE perante o STJ não afasta a função legal reservada ao MPF, de forma que um age como parte e o outro, como fiscal da lei.

“Não permitir que o Ministério Público Estadual atue perante esta Corte Superior de Justiça significa: vedar ao MP estadual o acesso ao STF e ao STJ; criar espécie de subordinação hierárquica entre o MP estadual e o MP Federal, onde ela é absolutamente inexistente; cercear a autonomia do MP estadual e violar o princípio federativo”, afirmou Ari Pargendler.

O entendimento foi aplicado pelos ministros Benedito Gonçalves (AREsp 528.143) e Herman Benjamin (REsp 1.323.236). Com informações da assessoria de imprensa do STJ.

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