A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que, nas ações possessórias, se há revelia do réu, o juiz não pode determinar a indenização das benfeitorias no imóvel, sob pena de se caracterizar julgamento extra petita (fora do pedido), ante a ausência de pedido indenizatório formulado na contestação, ou mesmo em momento posterior.
“O deferimento do pleito de indenização por benfeitorias pressupõe a necessidade de comprovação da existência delas e da discriminação de forma correta”, afirmou a ministra Nancy Andrighi, relatora do processo.
O colegiado julgou recurso interposto por uma companhia de habitação popular contra acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), o qual, no curso de ação de resolução de contrato de compra e venda de imóvel com reintegração de posse, manteve a sentença que reconheceu para a ré revel o direito de recebimento pelas benfeitorias.
Fora dos limites
A companhia habitacional alegou que o julgamento se deu fora dos limites do pedido, pois, tendo sido decretada a revelia, não houve provas da existência das benfeitorias nem pedido de pagamento por elas.
Na decisão recorrida, o tribunal de origem consignou que não há necessidade de requerimento expresso para reconhecimento ao direito de indenização por benfeitorias, conforme o artigo 1.219 do Código Civil de 2002 (CC/2002). Fundamentou ainda que o direito à indenização pelas benfeitorias é consequência lógica da rescisão do contrato, ante a procedência do pedido de reintegração de posse.
Previsão legal
Em seu voto, Nancy Andrighi destacou que, de fato, os artigos 1.219 e 1.220 do CC/2002 dispõem que o possuidor de boa-fé tem direito à indenização e à retenção do valor das benfeitorias necessárias e úteis, bem como a faculdade de levantar as benfeitorias voluptuárias se não lhe forem pagas – desde que o faça sem deteriorar a coisa.
Porém, a ministra salientou que, no caso analisado, em que não houve apresentação de contestação pela parte a ser beneficiada com a indenização pelas benfeitorias, nem a formulação de pedido posterior nesse sentido, o juiz não poderia determinar de ofício o pagamento sem que isso caracterizasse julgamento extra petita.
Princípio dispositivo
A magistrada sublinhou que o Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), em seus artigos 141 e 492, define que o juiz deve julgar o mérito da ação nos limites propostos, sendo proibido conhecer de questões não alegadas quando a lei exigir iniciativa da parte – o chamado princípio dispositivo, da congruência ou da adstrição.
“O referido princípio se encontra umbilicalmente ligado ao dever de tratamento isonômico das partes pelo juiz – artigo 139, I, do CPC/2015 –, de maneira que este não pode agir de ofício para sanar ou corrigir eventual omissão de qualquer das partes na prática de ato processual de incumbência exclusiva.”
Nancy Andrighi explicou que a violação do princípio dispositivo implica nulidade do que foi decidido além ou fora dos limites da postulação da parte, bem como da decisão que deixou de apreciar a pretensão material que integra o pedido formulado na petição inicial.
“Em uma interpretação conjunta dos artigos 141 e 492, ambos do CPC/2015, e 1.219 e 1.220, ambos do CC/2002, é possível depreender que a pretensão indenizatória atinente à realização de benfeitorias deve ser instrumentalizada mediante pedido em ação própria ou até mesmo em sede de contestação em ação”, observou a relatora.
Consequência lógica
Quanto ao fato de o tribunal de origem ter consignado que a indenização por benfeitorias seria consequência lógica da resolução do contrato de compra e venda, a ministra afirmou que a jurisprudência do STJ também entende nesse sentido.
Entretanto, ela destacou que tal conclusão não afasta a necessidade de comprovação da realização das benfeitorias e de pedido expresso da parte interessada, ainda que após a contestação – conforme entendimento da própria Terceira Turma.
Para a ministra, a jurisprudência do STJ “não excepciona a formulação de pedido referente à indenização das benfeitorias, somente o momento do requerimento e a forma como este é realizado”. O entendimento da ocorrência de julgamento extra petita no caso sob análise – acrescentou – não retira da parte interessada o direito de pleitear em ação própria a indenização por eventuais benfeitorias.
“O prazo prescricional da referida pretensão indenizatória apenas tem início com o trânsito em julgado da ação de rescisão do contrato de compra e venda do imóvel”, recordou a relatora. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.