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No direito brasileiro, a regra é que os danos sejam comprovados pelo ofendido para que se justifique o arbitramento judicial de indenização. Entretanto, em hipóteses excepcionais, são admitidos os chamados danos in re ipsa, nos quais o prejuízo, por ser presumido, independe de prova.  

A possibilidade da presunção de um dano – material ou moral – constitui uma vantagem para o ofendido e uma dificuldade para o ofensor, na medida em que há, como consequência, a superação da fase probatória no processo.  

Ao longo do tempo, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já estabeleceu uma série de situações em que há a configuração do dano in re ipsa, e continua analisando, cotidianamente, os mais diversos casos em que se pode ou não presumir a existência do dano.

Nesse sentido, serão julgados dois novos recursos repetitivos sobre o assunto. No Tema 1.096, a Primeira Seção vai definir “se a conduta de frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente configura ato de improbidade que causa dano presumido ao erário (in re ipsa)”.

Já no Tema 1.156, a Segunda Seção vai estabelecer “se a demora na prestação de serviços bancários superior ao tempo previsto em legislação específica gera dano moral individual in re ipsa apto a ensejar indenização ao consumidor”.

Dano moral pela contaminação de alimento com corpo estranho

Em 2021, no julgamento do REsp 1.899.304, a Segunda Seção unificou a jurisprudência das turmas de direito privado do STJ e considerou irrelevante a efetiva ingestão do alimento contaminado por corpo estranho – ou do próprio corpo estranho – para a caracterização do dano moral, pois a compra do produto insalubre é potencialmente lesiva ao consumidor.

Para a relatora do recurso especial, ministra Nancy Andrighi, “a distinção entre as hipóteses de ingestão ou não do alimento insalubre pelo consumidor, bem como da deglutição do próprio corpo estranho, para além da hipótese de efetivo comprometimento de sua saúde, é de inegável relevância no momento da quantificação da indenização, não surtindo efeitos, todavia, no que tange à caracterização, a priori, do dano moral”.

No caso julgado, o consumidor pediu indenização contra uma beneficiadora de arroz e o supermercado que vendeu o produto, em razão da presença de fungos, insetos e ácaros na embalagem. Os ministros reformaram acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) para restabelecer a sentença que fixou o dano moral em R$ 5 mil.

Uso indevido de marca dispensa prova de dano material e moral

A jurisprudência do STJ também entende que é devida reparação por danos patrimoniais (a serem apurados em liquidação de sentença) e por danos extrapatrimoniais na hipótese de se constatar a violação de marca, independentemente de comprovação concreta do prejuízo material e do abalo moral resultante do uso ilícito.

Com esse entendimento, a Quarta Turma, no julgamento do REsp 1.507.920, manteve em R$ 15 mil a indenização por danos morais a que a empresa Sonharte Brasil foi condenada pelo uso indevido da marca de outra empresa do mesmo ramo, a Sonhart.

As instâncias de origem reconheceram que a Sonharte se valeu da expressão para a divulgação de seus serviços e produtos, a despeito de ser inequivocamente semelhante à marca da concorrente, e concluíram que houve violação do direito de propriedade intelectual da Sonhart.

Para a relatora, ministra Isabel Gallotti, houve concorrência desleal e aproveitamento parasitário, mediante a comercialização de produtos com o uso de nome “praticamente idêntico” ao registrado pela concorrente “no mesmo ramo de atividade econômica, de forma a induzir em erro o consumidor”.

Indenização por violência contra a mulher no âmbito doméstico e familiar

Nos casos de violência contra a mulher em âmbito doméstico e familiar, é possível a fixação de valor mínimo indenizatório a título de dano moral, desde que haja pedido expresso da acusação ou da parte ofendida, ainda que não especificada a quantia, e independentemente de produção de provas.

A tese foi fixada pela Terceira Seção em julgamento de recurso repetitivo (Tema 983). Em um dos processos julgados como representativos da controvérsia, o colegiado restabeleceu a condenação de R$ 3 mil por danos morais imposta ao ex-companheiro da vítima. De acordo com os autos, ele lhe deu um tapa no rosto com força suficiente para jogá-la no chão e, logo depois, acelerou seu veículo e a atropelou.

Segundo o relator, ministro Rogerio Schietti Cruz, no âmbito da reparação por danos morais, a Lei Maria da Penha – complementada pela Lei 11.719/2008, que alterou o Código de Processo Penal – permitiu que um único juízo, o criminal, decida sobre o valor de indenização, o qual, “relacionado à dor, ao sofrimento e à humilhação da vítima, de difícil mensuração, deriva da própria prática criminosa experimentada”.

Para o ministro, não é razoável exigir instrução probatória sobre o dano psíquico, o grau de humilhação ou a diminuição da autoestima, “se a própria conduta criminosa empregada pelo agressor já está imbuída de desonra, descrédito e menosprezo à dignidade e ao valor da mulher como pessoa”.

Na sua avaliação, a não exigência de produção de prova dos danos morais, nesses casos, também se justifica pela necessidade de melhor concretizar, com o suporte processual já existente, “o atendimento integral à mulher em situação de violência doméstica, de sorte a reduzir sua revitimização e as possibilidades de violência institucional, consubstanciadas em sucessivas oitivas e pleitos perante juízos diversos”.

Recusa do plano de saúde a autorizar tratamento médico emergencial

As turmas de direito privado do STJ têm orientação firmada no sentido de que a recusa indevida de tratamento médico emergencial, pela operadora de plano de saúde, enseja reparação por danos morais, pois agrava a situação de aflição psicológica e de angústia do beneficiário, estando caracterizado o dano moral in re ipsa.

Esse entendimento levou a Terceira Turma, no julgamento do REsp 1.839.506, a reformar acórdão que negou a indenização a um paciente cujo tratamento ocular quimioterápico, prescrito por seu médico, não foi autorizado pelo plano de saúde, sob a justificativa de que ele não preencheria os requisitos estabelecidos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para a cobertura do exame e do tratamento postulados.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) entendeu que o dano moral não seria devido, embora tenha concluído que a recusa de tratamento foi injusta.

O relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, lembrou que a jurisprudência do STJ reconhece que, em algumas situações, há dúvida razoável na interpretação de cláusula contratual, de forma que a conduta da operadora, ao optar pela restrição da cobertura sem ofender os deveres anexos do contrato – como a boa-fé –, não pode ser reputada ilegítima ou injusta, violadora de direitos imateriais, o que afasta qualquer pretensão de compensação por danos morais.

No entanto, ele verificou que esse não era o caso dos autos, pois não havia discussão em torno da interpretação de cláusula contratual. Assim, configurado o abuso da operadora na recusa da cobertura, o colegiado concluiu que era devida a indenização por danos morais.

Agressão a criança não exige prova de dano moral

Em 2017, no REsp 1.642.318, a Terceira Turma estabeleceu que o reconhecimento do dano moral sofrido por criança vítima de agressão não exige o reexame de provas do processo – o que seria inviável na discussão de recurso especial –, sendo suficiente a demonstração de que o fato ocorreu.

Os ministros rejeitaram o recurso especial de uma mulher condenada a pagar R$ 4 mil por danos morais em razão de agressões verbais e físicas contra uma criança de dez anos que havia brigado com sua filha na escola.

Para a relatora, ministra Nancy Andrighi, “a sensibilidade ético-social do homem comum, na hipótese, permite concluir que os sentimentos de inferioridade, dor e submissão sofridos por quem é agredido injustamente, verbal ou fisicamente, são elementos caracterizadores da espécie do dano moral in re ipsa“.

A ministra destacou que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) assegura o direito à inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral (artigo 17), bem como a legislação brasileira garante a primazia do interesse das crianças e dos adolescentes, com a proteção integral dos seus direitos.

“Logo, a injustiça da conduta da agressão, verbal ou física, de um adulto contra uma criança ou adolescente independe de prova e caracteriza atentado à dignidade dos menores”, acrescentou a relatora.

Comercialização de dados pessoais em banco de dados

Para a Terceira Turma, a disponibilização ou a comercialização de informações pessoais do consumidor em banco de dados, sem o seu conhecimento, configura hipótese de dano moral in re ipsa. No julgamento do REsp 1.758.799, os ministros mantiveram em R$ 8 mil a indenização devida a um consumidor que teve seus dados divulgados por uma empresa de soluções em proteção ao crédito e prevenção à fraude.

A relatora, ministra Nancy Andrighi, lembrou que as informações sobre o perfil do consumidor, mesmo as de cunho pessoal, ganharam valor econômico no mercado de consumo e, por isso, o banco de dados constitui serviço de grande utilidade, seja para o fornecedor, seja para o consumidor, mas, ao mesmo tempo, atividade potencialmente ofensiva a direitos da personalidade deste.

Ela afirmou que a gestão do banco de dados impõe a estrita observância das respectivas normas de regência – Código de Defesa do Consumidor (CDC) e Lei 12.414/2011. Segundo a ministra, a legislação impõe o dever de informação, que tem como uma de suas vertentes o dever de comunicar por escrito ao consumidor a abertura de cadastro com seus dados pessoais e de consumo, quando não solicitada por ele, conforme determina o parágrafo 2º do artigo 43 do CDC.

“O consumidor tem o direito de tomar conhecimento de que informações a seu respeito estão sendo arquivadas/comercializadas por terceiro, sem a sua autorização, porque desse direito decorrem outros dois que lhe são assegurados pelo ordenamento jurídico: o direito de acesso aos dados armazenados e o direito à retificação das informações incorretas”, disse.

De acordo com a ministra, a inobservância dos deveres associados ao tratamento dos dados do consumidor – entre os quais se inclui o dever de informar – faz nascer para este a pretensão de indenização pelos danos causados e de fazer cessar, imediatamente, a ofensa aos direitos da personalidade. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.

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