No contexto do direito societário, ao analisar as invalidades das decisões tomadas em assembleias das sociedades por ações, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reiterou a prevalência da Lei 6.404/1976, conhecida como Lei das Sociedades por Ações, para questões que envolvem exclusivamente os acionistas ou a relação entre eles e a sociedade. Assim, a aplicação do Código Civil fica reservada para os casos em que as decisões da assembleia afetem direitos de terceiros.
Durante um julgamento específico, o caso em discussão envolveu um sócio administrador que, às vésperas de uma assembleia geral para aprovação de contas, transferiu todas as suas ações para uma empresa na qual ele e sua esposa detinham o capital social total. Esta empresa teve um papel decisivo na aprovação das contas, caracterizando um vício de votação.
O ministro Antonio Carlos Ferreira, relator do caso, abordou a diferença entre as sanções de anulabilidade previstas na Lei das S.A. e as de nulidade no Código Civil, dependendo da gravidade do vício conforme estabelecido pela lei. Ele destacou o princípio da especialidade, onde a lei mais específica prevalece sobre a geral, mas observou que existe debate na doutrina sobre como esses regimes devem ser aplicados.
Em sua análise, o ministro sugeriu que as normas gerais do direito civil devem ser utilizadas com cautela, aplicáveis apenas na ausência de disposições na lei especial e quando forem substancialmente compatíveis com esta, partindo do princípio que os vícios podem ser anuláveis e centrados nos interesses violados.
Ademais, no caso analisado, o Tribunal de Justiça de São Paulo identificou uma fraude contra a Lei das S.A., proibindo que administradores votem em deliberações sobre a aprovação de suas próprias contas, conforme o artigo 115, §1º da lei. O tribunal determinou a nulidade da assembleia com base no artigo 166, VI do Código Civil.
Contudo, o ministro Ferreira argumentou que tal proibição, apesar de baseada em razões éticas, diz respeito principalmente aos interesses internos da companhia e seus acionistas, configurando uma questão de anulabilidade e não de nulidade absoluta. Ele também mencionou que é possível a convalidação da deliberação, seja por uma nova votação sem o vício original ou pelo decurso de tempo necessário para a decadência do direito à declaração de nulidade.
Finalmente, ele reforçou que, conforme a jurisprudência do STJ, é necessário anular previamente a decisão que aprovou as contas para que se possa iniciar uma ação de responsabilização, e como isso não ocorreu, a ação de responsabilidade foi extinta sem julgamento do mérito.