As plataformas de Marketplace, tais como Mercado Livre e Americanas, por exemplo, possuem termos de uso que disciplinam os direitos e deveres das partes que compram e vendem estes produtos.
Dentre as cláusulas mais comuns, está a de exclusão por infração destas disposições sem prévio aviso, ou seja, sem a observância do contraditório e da ampla defesa.
Dessa forma, com a suspeita de desrespeito à alguma regra imposta pelo Marketplace, o usuário vendedor pode ser suspenso, ou seja, não consegue mais realizar quaisquer transações.
Em tempos de pandemia, houve o crescimento mais acelerado das vendas através dos meios digitais, sendo que algumas empresas somente atuam neste setor, deixando de lado o comércio presencial.
Assim, foi apresentado na Justiça o caso de uma pessoa jurídica que se utilizava do site Mercado Livre para vender há muito tempo, e que teve sua conta suspensa em virtude de reclamações apresentadas por alguns usuários.
Com esta parada, houve forte diminuição das rendas deste empresário, pois não houve prévio aviso com prazo hábil para que pudesse se defender antes deste ato, sendo alegado que tal conduta já era prevista nos termos de uso e para era utilizada para que houvesse segurança para os demais usuários da plataforma.
Esta situação foi apresentada ao Poder Judiciário na Vara do Juizado Especial Cível e Criminal de Vinhedo/SP.
Na sentença, o juiz responsável pelo caso entendeu que embora as relações privadas possuam certa autonomia de vontade asseguradas pelo ordenamento jurídico, este fato por si só não pode levar a não aplicação dos direitos e garantias fundamentais.
Assim, as particularidades de cada negócio jurídico devem obedecer à juridicidade, ou seja, estar de acordo com as disposições normativas.
Dessa forma, as disposições constitucionais não vinculam apenas o Poder Público, mas também os particulares entre si, por conta das liberdades fundamentais.
Ainda que estes termos de uso não possuam caráter consumerista, houve um grande desequilíbrio de forças entre o empresário vendedor e o Marketplace Mercado Livre, este último com superioridade econômica e técnica, pois os contratos de adesão que impõem cláusulas sem prévio ajuste, não podem impor penalidades sem contraditório, ainda que assim disponham em seu texto.
Dessa forma, o poder sancionatório do Marketplace deve obedecer aos valores centrais previstos na Constituição Federal, tais como o princípio do contraditório e da ampla defesa, não podendo atuar sem prazo para explicações por parte do usuário da plataforma.
O Marketplace deve buscar formas de garantir a segurança de ambos os usuários, compradores e vendedores. Mas para tanto, não pode deixar de observar valores morais deste ramo reflexos dos direitos e garantias constitucionais.
Portanto, segundo o Magistrado, houve um ato ilícito, pois não houve a observância do contraditório, sendo imposta pena de suspensão de forma unilateral.
No caso concreto, a suspensão da utilização da plataforma ocorreu por conta de extravio de mercadoria enviada através de transportadora contratada pelo próprio Marketplace. Este, diante desta situação, estornou a venda para o consumidor final, e não solucionou o problema junto à empresa responsável pela entrega.
Por conseguinte, não houve a devolução do produto enviado, além do bloqueio à conta e cancelamento de todas as vendas pendentes de entrega. Diante deste cenário, o próprio Marketplace diminuiu a qualificação deste vendedor.
Como este shopping virtual somente relatou no processo que desconhecia estes fatos, sendo este responsável pela contratação da transportadora e não trouxe qualquer elemento de prova aos autos, houve a condenação por dano material no valor das mercadorias extraviadas.
Os lucros cessantes são forma de indenização pela perda de ganho em um dado lapso temporal. Assim, caso não houvesse o fato ilícito, os rendimentos obtidos seriam maiores dos que ocorrem com a situação.
Como é um caso de probabilidade, devem ser apresentados meios de prova que demonstrem a efetiva diminuição do patrimônio, não bastando apenas alegações genéricas.
Logo, neste caso houve a apresentação da renda auferida no Marketplace, que diminuiu drasticamente com a suspensão de utilização da plataforma. Portanto, o juiz responsável pelo caso, concedeu indenização por uma perda da oportunidade baseado no valor médio diário de vendas da parte multiplicado pelo número de dias que o vendedor ficou impedido de utilizar o site.
Além disso, houve a análise de ocorrência de dano moral de empresário individual. Mas para o magistrado, deveria ocorrer de forma similar às das pessoas jurídicas, no que se refere à imagem da empresa junto aos consumidores e o mercado de vendas.
Como houve a suspensão pelo prazo de 20 dias, até que o Marketplace liberasse o acesso, a forma de apresentação para a sociedade foi alterada, pois para o comprador haveria a impressão de que este empresário era desorganizado e de baixa confiabilidade.
Neste caso, o juiz condenou o Marketplace ao pagamento de danos morais para a pessoa jurídica no valor de R$ 5.000,00, sob o fundamento de não ser quantia superior para se evitar o enriquecimento ilícito da parte.
Dessa maneira, o Mercado Livre foi condenado a arcar com lucros cessantes, danos emergentes e morais pela suspensão de utilização do Marketplace sem a observância de prazo para defesa, desrespeitando os princípios constitucionais da ampla defesa e contraditório.
Diante da sentença, a plataforma recorreu através de Recurso Inominado, pelo fato da ação ter sido proposta no Juizado Especial Cível de Vinhedo/SP.
Dentre seus argumentos estão que os valores anteriormente bloqueados já estavam disponíveis para utilização, além da conta já estar desbloqueada. Assim, a parte argumentou que não poderia ser condenada pela inexistência de ofensa à honra ou dignidade da parte.
Para o Mercado Livre, a suspensão foi aplicada corretamente, pois foi notificada com base nas regras dos Termos e Condições de Uso da Plataforma, em que ocorreu reincidência de irregularidades.
Assim, para o mesmo, houve o exercício regular de direito para que não houvesse falha na prestação de serviços. E ainda se argumentou que era impossível a condenação por dano material pelo fato das quantias anteriormente bloqueadas já estarem disponíveis para utilização, o que acarretaria bis in idem e enriquecimento ilícito.
Houve a alegação em sede de Recurso Inominado da Teoria da Causalidade Direta ou Imediata adotada pelo Supremo Tribunal Federal, também denominada de Teoria da Interrupção do Nexo Causal, com aplicação do artigo 403 do Código Civil:
Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual.
Logo, argumentou que não deveria ocorrer condenação por lucros cessantes, pois não houve causalidade direta entre os fatos.
Quanto ao dano moral, também ocorreu impugnação através deste recurso, sob o fundamento de ofensa aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. O Recurso Inominado ainda não foi julgado pela Turma Recursal.
Esta decisão em 1ª instância abre precedente para discussão da extensão da autonomia da vontade nas relações empresariais na internet. Como ainda está sem o trânsito em julgado, por conta do recurso proposto, é necessário acompanhar este processo, visto que é tema recente com grandes implicações para casos semelhantes.
A título de exemplo, em decisão em sentido contrário a esta tese, a 5ª Vara Cível de Osasco no processo nº 1001661-09.2019.8.26.0009 entendeu que a suspensão de utilização da plataforma é devida, pois prevista contratualmente de forma que o usuário expressamente a aceita antes de passar a vender no site.
Dessa forma, resta o acompanhamento jurisprudencial sobre o tema, já que é tema recente e de grandes implicações, mas sem regulamentação especial, abrindo margem para decisões diversas emanadas do Poder Judiciário.