Introdução
Stalking é uma palavra em inglês, traduzida como “perseguição”, “perseguir incessantemente”. Segundo o Dicionário Cambridge, significa “seguir uma pessoa ou animal tão perto quanto possível, sem ser visto ou ouvido, a fim de capturá-lo ou matá-lo”.
Segundo o autor Rogério Greco, “o núcleo perseguir nos dá a ideia de uma conduta praticada pelo agente que denota insistência, obsessão, comportamento repetitivo no que diz respeito à pessoa da vítima. Está muito ligado à área psicológica do perseguidor, muitas vezes entendido como sendo um caçador à espreita da sua vítima”.
A Lei 14.132/2021, sancionada em 31 de março de 2021, acrescentou o art. 147-A ao Código Penal, para prever o crime de perseguição, pois, até então, não tínhamos no ordenamento jurídico um tipo penal específico para criminalizar essa conduta.
A Lei, ainda, revogou a contravenção penal de perturbação da tranquilidade, prevista no art. 65 do Decreto-lei 3.688/41 (Lei das Contravenções Penais). A referida contravenção dispunha o seguinte:
Art. 65. Molestar alguém ou perturbar-lhe a tranquilidade, por acinte ou por motivo reprovável; pena – prisão simples, de quinze dias a dois meses, ou multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis.
Antes do advento da Lei 14.132/2021, o artigo 65 era utilizado para coibir a conduta de perseguição, como podemos ver nesse julgado:
Ementa: LEI Nº 11.340/2006. LEI MARIA DA PENHA. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. LEI DAS CONTRAVENÇÕES PENAIS. ART. 65. PERTURBAÇÃO DA TRANQUILIDADE. CÓDIGO PENAL. ART. 330. DESOBEDIÊNCIA. EXISTÊNCIA DOS FATOS E AUTORIA. Perturbação da tranqüilidade da ofendida, com mensagens via celular, telefonemas e perseguição. Fatos perfeitamente demonstrados, bem como induvidosa a autoria. Da mesma forma, o deliberado propósito de perturbar. Condenação mantida. Já com relação ao descumprimento de medidas protetivas, fundadas na Lei Maria da Penha, não caracteriza o crime do artigo 359 do Código Penal, nem mesmo do art. 330, pois tais medidas são progressivas, podendo chegar até mesmo à decretação da prisão preventiva. Assim, prevista, na própria legislação, sanção para o descumprimento das medidas protetivas, inviável punição pelo mesmo fato. Precedentes da Câmara, do Grupo Criminal, e do Superior Tribunal de Justiça. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. PRISÃO SIMPLES. (…) APELO DOMINISTÉRIO PÚBLICO IMPROVIDO. APELO DEFENSIVO PROVIDO, EM PARTE. UNÂNIME. (Apelação-Crime, Nº 70066764929, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ivan Leomar Bruxel, Julgado em: 27-07-2017)
No entanto, a contravenção penal de perturbação da tranquilidade não era suficiente, pois não foi criada com a finalidade de proteção à integridade à vítima de violência, principalmente em relação ao sexo feminino.
Dessa forma, cabe analisar o crime de stalking e sua conduta.
Crime de stalking (artigo 147-A, CP)
O artigo 147-A do Código Penal dispõe:
Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade.
Cumpre analisar os requisitos do preceito penal:
– “alguém”: tanto o sujeito ativo quanto o sujeito passivo podem ser homem ou mulher. No entanto, conforme a jurisprudência massiva, a mulher é a que mais sofre com esse tipo de violência.
– “reiteradamente”: exige-se uma conduta habitual, de forma constante e não isolada;
– “por qualquer meio”: conforme Rogério Greco, “podem se configurar como meios para a prática do stalking telefonar e permanecer em silêncio, ligar continuamente e desligar tão logo a vítima atenda, fazer ligações o tempo todo, tentando conversar com a vítima, enviar presentes, mensagens por todas as formas possíveis (a exemplo do sms, directs, e-mails, whatsapp, bilhetes, cartas etc.) sejam elas amorosas ou mesmo agressivas, acompanhar a vítima à distância, aparecer em lugares frequentados comumente pela vítima ou pessoas que lhe são próximas, estacionar o automóvel sempre ao lado do carro da vítima, a fim de que ela saiba que o agente está por ali, à espreita, enviar fotos, músicas, flores, instrumentos eróticos, roupas íntimas, animais mortos” e uma infinidade de outros meios.
– bem jurídico protegido: liberdade pessoal e a integridade física da vítima.
– “ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade”, ou seja, requer o dolo, a intenção de praticar a ação;
– não admite a forma culposa;
– preceito secundário: Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. Pode-se perceber a discrepância da pena do crime de perseguição em relação à pena da contravenção penal de perturbação da tranquilidade, qual seja “prisão simples, de quinze dias a dois meses, ou multa”.
Conforme o § 1º do artigo 147-A, a pena é aumentada de metade se o crime é cometido:
I – contra criança, adolescente ou idoso: A Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), no seu artigo 2º, considera criança a pessoa até doze anos de idade incompletos e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. Já o idoso é a pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, nos termos do art. 1º, da Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso);
II – contra mulher por razões da condição de sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código: ou seja, quando houver violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
III – mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas ou com o emprego de arma (podendo ser arma branca ou arma de fogo, já que não foi feita nenhuma restrição pelo legislador).
Ainda, o § 2º dispõe que “as penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à violência”, ou seja, a pena correspondente à violência (lesão corporal) é acrescida quando da aplicação da pena, havendo, assim, concurso material de crimes.
Por fim, o § 3º dispõe que somente se procede mediante representação, ou seja, a ação penal é pública condicionada à representação.
Rogério Greco alerta sobre a importância de saber distinguir o crime de perseguição e a conduta aceita pela sociedade:
“Embora a criminalização da perseguição seja necessária, temos que tomar o máximo cuidado para que não sejam confundidos comportamentos perfeitamente lícitos e aceitos em nossa sociedade. Uma insistência amorosa, por exemplo, mesmo que indesejada, não pode se configurar, automaticamente, em crime. Por isso, somente a hipótese concreta nos trará elementos para que possamos fazer essa distinção, tênue por sinal, entre um comportamento natural do ser humano, em não aceitar, imediatamente, um negativa ao seu pedido, de uma conduta considerada perseguidora, criminosa, que pode causar na vítima danos à sua integridade física ou psicológica”.
Cyberstalking
O cyberstalking nada mais é do que a conduta de perseguição realizada virtualmente, através da internet.
Se houver cyberstalking com o perseguidor agindo pela internet, e não se limitar a mandar mensagens, mas hackear o celular ou computador da vítima, violando indevidamente mecanismo de segurança para obter, adulterar ou destruir dados sem autorização, ou instalando vulnerabilidades para obter vantagem ilícita, incide nas penas do art. 154-A em concurso formal ou material, a depender do caso concreto, com o art. 147-A do CP, não se falando em absorção dada a proteção de bens jurídicos distintos e o fato da invasão do dispositivo não ser meio necessário para concretizar uma perseguição”, conforme explanam os autores Adriano Costa e Eduardo Fontes.
Nesse sentido, segue o julgado:
Ementa: PERSEGUIÇÃO VIRTUAL – CYBERSTALKING – CONDUTA ILÍCITA CONFIGURADA – INDENIZAÇÃO DEVIDA – UTILIZAÇÃO INDEVIDA DE IMAGEM PARA MONTAGEM DE PERFIL FALSO – DANO MORAL CONFIGURADO – RECURSO NÃO PROVIDO – A conduta do requerido configura o que na atualidade se denomina de stalking. Considera-se stalker aquele que, utilizando-se dos meios virtuais, promove perseguição à sua vítima, importunando-a de fora insistente e obsessiva, atacando-a e agredindo-a. A atuação do stalker consiste em invadir a esfera de privacidade de sua vítima, pelas mais variadas maneiras, promovendo a intranquilidade, fomentando o medo, difundindo infâmias e mentiras de modo a afetar a autoestima e a honra do perseguido. (TJSP; Apelação Cível 1002596-16.2018.8.26.0484; Relator (a): Ronnie Herbert Barros Soares; Órgão Julgador: 10ª Câmara de Direito Privado; Foro de Promissão – 2ª Vara Judicial; Data do Julgamento: 27/03/2020; Data de Registro: 27/03/2020) (grifo nosso)
Conforme Luciana Gerbovic:
“Mesmo o cyberstalking ocorrendo no mundo virtual, seus efeitos são sentidos no mundo físico e podem chegar a ser mais devastadores do que aqueles provocados pelo stalking, principalmente em razão da facilitação do anonimato neste meio e da rapidez na divulgação de dados e imagens, que foge ao controle de qualquer pessoa, inclusive das autoridades”.
A conduta do detetive pode ser criminalizada pelo 147-A, CP?
Conforme entendimento recente do Supremo Tribunal de Justiça, a contratação de detetive particular para monitorar outra pessoa não tipifica a contravenção penal de perturbação da tranquilidade (já revogada), tendo em vista a ausência dos requisitos caracterizadores, como a demonstração do dolo, por exemplo.
O entendimento é aplicado ao crime de perseguição, não bastando somente a conduta de perseguir, observar a pessoa, mas também a intenção de atingir, dolosamente, o bem jurídico protegido.
O caso foi discutido no RHC nº 140114, tendo o relator entendido que o fim específico de monitorar alguém não pode ser considerado ilícito, tendo em vista que a atividade de detetive particular é regulamentada pela Lei 13.432/2017:
“Assim, não descrevendo claramente a denúncia que o agente, por acinte ou motivo reprovável, contratou detetive particular para ‘ostensivamente’ vigiar e, assim, molestar alguém ou perturbar-lhe a tranquilidade, não se tem configurada a contravenção penal do artigo 65 do Decreto-Lei 3.688/1941”.
DICA: Série “You”
A série “You” (Você), disponibilizada pela Netflix, retrata a conduta do crime de perseguição quando o personagem principal, Joe, fica fascinado pela jovem Beck e começa a persegui-la constantemente, bem como a descobrir tudo sobre a sua vida, através das redes sociais, tornando-se uma obsessão tóxica.
Jurisprudência sobre o tema
1 – “As condutas do paciente, consistentes em incessante perseguição e vigília; de busca por contatos pessoais; de direcionamento de palavras depreciativas e opressivas; de limitação do direito de ir e vir; de atitudes ameaçadoras e causadoras dos mais diversos constrangimentos à vítima, aptos a causarem intensa sensação de insegurança e intranquilidade, representam o que é conhecido na psicologia como stalking, como muito bem ressaltou o Tribunal a quo”. (HC 359.050/SC, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 30/03/2017, DJe 20/04/2017) (grifo nosso)
2 – EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – ASSÉDIO MORAL – STALKING – PERITO – CONFIANÇA DO JUIZ – LAUDO – ERRO NÃO DEMONSTRADO – DANO MORAL – CONFIGURADO – REDUÇÃO – NÃO CABIMENTO – LUCROS CESSANTES – NÃO COMPROVADOS. – Demonstrada a perseguição sofrida pela parte autora e a conduta extremamente grave da parte ré, que leve àquela a desestabilização emocional e psicológica, fragilizando-a e desnorteando-a, inclusive forçando-a, pelas situações incômodas e humilhantes, a pedir exoneração do seu cargo, resta configurado o assédio moral, na modalidade “stalking“, passível de indenização por dano moral. – Não demonstrando a parte ré qualquer equívoco no Laudo Pericial que concluiu pelo dano emocional provocado na autora, devem ser prestigiadas as conclusões a que chegou o perito, pessoa isenta, equidistante das partes envolvidas e da confiança do Juízo. – A indenização a ser arbitrada a título de danos morais deve observar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, considerando-se as circunstâncias do caso concreto, sempre se lembrando de que a indenização por dano moral não pode servir de fonte para enriquecimento sem causa do ofendido e ser suficiente a coibir a reiteração do ato ilícito. – Os lucros cessantes somente são indenizáveis se comprovada a frustração de ganho patrimonial. (TJMG – Apelação Cível 1.0106.14.002673-8/001, Relator(a): Des.(a) Evandro Lopes da Costa Teixeira , 17ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 05/04/2018, publicação da súmula em 17/04/2018) (grifo nosso)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1 – CAMBRIDGE, Dicionário.
2 – COSTA, Adriano Sousa e FONTES, Eduardo. Stalking: o crime de perseguição ameaçadora: https://www.conjur.com.br/2021-abr-06/academia-policia-stalking-crime-perseguicao-ameacadora;
3 – GERBOVIC, Luciana. Stalking. São Paulo: Editora Almedina Brasil, 2016;
4 – GRECO, Rogério. A nova Lei de Perseguição: https://www.rogeriogreco.com.br/post/nova-lei-de-persegui%C3%A7%C3%A3o.