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O assédio moral é um tema que, infelizmente, a cada ano que passa, traz novos precedentes no ordenamento jurídico brasileiro.

Atualmente, não há um tipo penal específico para combater essa conduta, cabendo aos magistrados a aplicação da Constituição Federal, do Código Civil e da Consolidação das Leis Trabalhistas.

Os artigos basilares são os previstos na Constituição Cidadã, in verbis:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (…) III – a dignidade da pessoa humana.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante.

O assédio moral pode ocorrer tanto na forma vertical (cometido pelo empregador contra o empregado), sendo o mais comum, como também vertical ascendente (quando empregado assedia superior) e na forma horizontal (quando sujeito ativo e passivo estão no mesmo nível hierárquico).

Importante conhecermos quem é o empregador e quais os limites impostos a ele, conforme a seguir.

 

O Empregador e o seu poder diretivo

O artigo 2º da CLT define empregador como sendo a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.

Todavia, esse dispositivo é equivocado ao conceituar empregador como sendo empresa, pois, segundo Francisco Rossal, “empregador é sujeito de direitos (enquanto um dos sujeitos do contrato de trabalho) e a empresa (atividade) é objeto de direito”.

Importante ressaltar que, conforme o §1º do artigo 2º da CLT, equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados.

Ainda, o artigo considera o empregador aquele que assume os riscos da atividade econômica, bem como admite e assalaria. Os riscos da atividade econômica, tanto os resultados positivos como os negativos, não devem ser arcados pelo empregado, e sim pelo empregador, que deve “assumir integralmente os riscos do negócio (empreendimento), aí considerados inclusive os riscos do próprio contrato de trabalho celebrado com seus empregados”, segundo o autor Ricardo Resende.

Ainda, é esse dispositivo que consagra o poder de direção do empregador que se divide em: poder de organização, poder de controle e o poder disciplinar:

O poder de direção, também chamado de poder de comando, segundo Amauri Mascaro, “é a faculdade atribuída ao empregador de determinar o modo como a atividade do empregado deve ser exercida, em decorrência do contrato de trabalho”.

De acordo com a doutrina, o poder de comando se desdobra em três principais formas:

a) Poder de organização: é quando o empregador organiza e coordena seu empreendimento e os fatores de produção (entre os quais está o trabalho desenvolvido por seus empregados), de acordo com os fins por ele objetivados, conforme define Francisco Rossal de Araújo e Coimbra.

b) Poder de controle: é o poder de fiscalização e controle das atividades dos empregados, como por exemplo, a prestação de contas e a marcação do cartão de ponto. Com base no artigo 5º, incisos III e X, da Constituição Federal, esse poder deve ser exercido sem violar a dignidade e a intimidade do empregado.

c) Poder disciplinar: é o poder que propicia a “imposição de sanções aos empregados em face do descumprimento por esses de suas obrigações contratuais”, conforme explana Godinho, através de advertência (oral ou escrita), suspensão ou dispensa por justa causa.

O objetivo da penalidade deve ser “pedagógico, de mostrar ao empregado que está errado e que não deve cometer novamente a mesma falta”, bem como a punição deve ser proporcional, por sua vez as punições mais leves deverão receber penas menos severas.

No entanto, esse poder “sofre limitações destinadas a preservar os interesses do trabalhador, impostas pelas leis, convenções coletivas e sentenças normativas, levando-se em conta a necessidade de se proteger o empregado”, afirma Amauri Mascaro Nascimento.

Assim, quando há o abuso do poder diretivo do empregador, pode ser configurado o assédio moral.

 

Quais os requisitos para o assédio moral?

Segundo Godinho, define-se assédio moral como a conduta reiterada seguida pelo sujeito ativo no sentido de desgastar o equilíbrio emocional do sujeito passivo, por meio de atos, palavras, gestos e silêncios significativos que visem ao enfraquecimento e diminuição da autoestima da vítima ou a outra forma de tensão ou desequilíbrio emocionais graves.

Ou seja, não é uma conduta isolada, pois requer repetição de atos e com a intenção de prejudicar a vítima.

Segundo o magistrado do TRT 16ª Região, três requisitos são necessários: a conduta abusiva, a repetição dos ataques e o dano, sendo que o primeiro consiste na intenção do agressor de expor a vítima a situações incômodas e humilhantes, a fim de retirá-la do seu caminho ou mesmo do emprego; o segundo implica a repetição das condutas de forma sistematizada e o último requisito é o dano à integridade psíquica ou física da pessoa.

O assédio moral praticado pelo empregador é caracterizado como infração, sendo causa de rescisão indireta pelo empregado:

Art. 483 – O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:

a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato;

b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo;

(…)

e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama;

 

Reparação do dano

O artigo 5º, incisos V e X da Constituição Federal garante à vítima a reparação pelo dano sofrido:

V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

(…)

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

O Código Civil também prevê a reparação do dano:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

No âmbito do Direito do Trabalho, para a caracterização do dano moral faz-se necessária a ocorrência de fato que cause humilhação, constrangimento, sofrimento ou tenha a intenção de desabonar a imagem do trabalhador.

É dever do empregador garantir um meio de ambiente saudável, conforme o artigo 225 da CF que assegura que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida.

Assim, o poder diretivo do empregador deve ser exercido com moderação, sem exageros, sem prejuízos e dentro dos limites a fim de proteger o empregado, sob pena de eventual indenização por dano moral ou dano material.

 

Jurisprudência sobre o tema

1 – “Paredão de eliminação do BBB” na empresa

Uma empresa de turismo foi condenada pela Justiça do Trabalho do Ceará a pagar indenização por danos morais a uma consultora de vendas que foi demitida após votação pelos colegas de trabalho em um estilo tipo “paredão de eliminação do BBB”, sendo que os funcionários foram coagidos a votar em um colega de trabalho e dizer o motivo este deveria ser dispensado. A vítima alegou que ainda sofre com depressão e traumas psicológicos em decorrência do fato.

2 – Imposição de “revista” por suposto cometimento de crime

Apelação – ASSÉDIO MORAL – Servidora Pública lotada em UBS Municipal – Indenização por danos morais – Humilhações e constrangimentos praticados por superior hierárquico – Imposição de “revista” em bolsa por suposto furto de aparelho celular – Assédio bem comprovado – Cabível indenização por danos morais Danos morais adequadamente arbitrados em R$ 10.000,00 – Redução – Descabimento – Observância aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade – Precedentes do E. STJ, deste Egrégio Tribunal de Justiça e desta E. 11ª Câmara de Direito Público – Sentença de procedência mantida – Recurso improvido. (TJSP; Apelação Cível 1002853-57.2017.8.26.0296; Relator (a): Marcelo L Theodósio; Órgão Julgador: 11ª Câmara de Direito Público; Foro de Jaguariúna – 1ª Vara; Data do Julgamento: 25/04/2019; Data de Registro: 25/04/2019)

3 – Apelidos pejorativos, condutas segregadoras e denunciação falsa de crime de furto

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR ASSÉDIO MORAL. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 7º, XXVIII DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E ARTIGOS 186, 187 E 927 DO CÓDIGO CIVIL. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO MUNICÍPIO. NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE O ATO ILÍCITO E O DANO COMPROVADOS. APELIDOS PEJORATIVOS, CONDUTAS SEGREGADORAS E DENUNCIAÇÃO FALSA DE CRIME DE FURTO.PROVA QUE EVIDENCIA A SITUAÇÃO DE CONSTRANGIMENTO DO SERVIDOR. DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO. QUANTUM INDENIZATÓRIO QUE DEVE SER REDUZIDO PARA EQUIPARAR-SE A JULGADOS SEMELHANTES. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS REDUZIDOS. RECURSO PROVIDO EM PARTE. (…). Comprovado o ilícito perpetrado, assim como o nexo causal entre o evento danoso e o dano sofrido, praticado dolosamente pela chefia imediata; em ato desrespeitoso e degradante, em situação vexatória perante os demais colegas, tem o Município réu o dever de indenizar o ofendido pelos danos morais causados. Assim, é certo que em razão dos acontecimentos o apelado sofreu abalo emocional, de modo que o Município deve responder pela conduta de seus agentes, ensejadora do dano sofrido pelo apelado, pois na condição de empregador, impõe-se-lhe zelar pela integridade física e mental dos seus servidores, não os submetendo, ou permitindo que sejam submetidos, a situações constrangedoras, vexatórias. (TJSC, Des. Carlos Adilson Silva). (TJSC, Apelação Cível n. 0316539-20.2014.8.24.0038, de Joinville, rel. Des. Pedro Manoel Abreu, Primeira Câmara de Direito Público, j. 30-07-2019)

4 – Empregado com deficiência mental

A Havan Loja de Departamentos Ltda. foi condenada pela 5ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho a pagar indenização por assédio moral a um empregado com deficiência mental.

Na ocasião, seguranças da loja praticavam ofensas baseadas na condição de saúde da vítima, tais como “maluco e retardado”, focavam nele nas filmagens com as câmeras de monitoramento para fazer zombarias e utilizavam aparelhos de comunicação (walkie talkie) em volume alto, para que o chefe, os demais seguranças e o próprio carregador escutassem as agressões.

5 – Tratamento dado aos funcionários da loja

EMENTA INDENIZAÇÃO DECORRENTE DE PRÁTICA DE ASSÉDIO MORAL. Caso em que a prova testemunhal produzida confirma que o tratamento dispensado pelos prepostos da reclamada à reclamante transcendeu os limites do poder diretivo do empregador, adentrando na seara do abuso do poder hierárquico, atingindo a honra e a imagem da trabalhadora, configurando prática de assédio moral. Ficando evidente que a reclamada proporcionava um meio ambiente de trabalho nocivo à reclamante, impõe-se o deferimento de indenização por prática de assédio moral, nos termos dos artigos 186 e 927 do Código Civil. (TRT da 4ª Região, 3ª Turma, 0021232-15.2017.5.04.0009 ROT, em 10/10/2020, Desembargador Gilberto Souza dos Santos)

No caso concreto, a vítima relatou que, devido às duras regras da reclamada, começou a ter mudanças de comportamento, como crises de pânico e alterações no humor; que durante o turno de trabalho, não tinha lugar para sentar ou descansar, pois a única poltrona disponível era para clientes e, quando a loja estava vazia, as funcionárias eram proibidas de se sentar; que em época de promoção não dava tempo de almoçar, porque o movimento triplicava. Relatou que toda essa situação, mais o convívio com gerentes de trato difícil, ajudaram a desencadear transtorno de pânico, transtorno afetivo bipolar, episódio atual maníaco e vários transtornos ansiosos.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

1 – ARAÚJO, Francisco Rossal; COIMBRA, Rodrigo. Direito do Trabalho I. Editora LTr, São Paulo, 2014, pgs. 357, 361;

2 – DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. Editora LTr, 10ª edição, São Paulo, 2011, p. 622;

3 – NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito: relações individuais e coletivas de trabalho. 19º edição, São Paulo: Saraiva, 2004, p. 621;

4 – NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. Editora LTr, 32ª edição, 2006, p. 143;

5 – RESENDE, Ricardo. Direito do Trabalho esquematizado. Editora Método, 4ª edição, São Paulo, 2014, p. 303.

 

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