O caso inusitado trata-se de reclamação trabalhista ajuizada em desfavor da Caixa Econômica Federal, sob o número 0000898-44.2020.5.07.0017, na qual o reclamante requereu o retorno ao trabalho presencial.
Isso porque, segundo o reclamante, o mesmo passou a sofrer fortes dores na coluna vertebral, cumulada com dores neuropáticas, além de ter comprometido a sua saúde psíquica, conforme segue relato:
“Quando encontrava-se no exercício de suas atividades laborais, já em home office, a partir de 15.06.2020, o reclamante passou a sofrer fortes dores na coluna vertebral, cumulada com dores neuropáticas, patologias essas enquadradas no Código Internacional de Doenças como CID 10 – R 52.0, as quais terminaram por afetar o Sistema Nervoso Periférico do autor, alcançando, portanto, sua saúde física e psíquica. Em 06.08.2020, o reclamante foi diagnosticado pelo Dr. Gilson Holanda Almeida [renomado psiquiatra de Fortaleza, CRM 1759], como portador de transtorno depressivo recorrente [F 33 da CID 10], oportunidade em que lhe foi prescrita medicação antidepressiva e ansiolítica, sendo inclusive afastado de suas atividades laborais por 45 dias. Ao término do prazo, o afastamento foi renovado por mais 30 dias, ocasião em que restou diagnosticado ao paciente um quadro clínico de “rebaixamento do humor, diminuição da iniciativa, da capacidade de decisão, adinamia, entre outros”, tudo comprovado pelos atestados médicos anexos. Restou documentado ainda que além do tratamento psiquiátrico, o reclamante também estava sendo “acompanhado por osteopata, por apresentar alterações músculo esqueléticas que requerem tratamento incluindo atividade física.”
No entanto, o Magistrado a quo indeferiu o pedido, tendo em vista o atual momento de crise sanitária:
– Direito à vida:
O Magistrado, primeiramente, ressaltou a importância do direito fundamental que assiste a todas as pessoas: o direito à vida, direito este indisponível, ou seja, não reconheceu ao titular o direito a possibilidade de dispor da sua própria vida, cabendo ao Estado dar proteção a esse direito, garantida pela Constituição Federal no artigo 5º, caput, bem como no Pacto Internacional dos Direitos Políticos, no artigo 6, item 1.
Ainda, citou o Protocolo de Intenções entre o Ministério Público do Trabalho, o Ministério Público Federal e a Caixa Econômica Federal, visando à adoção de boas práticas na prevenção de contaminação da COVID-19 aos serviços bancários, e que deve ser respeitado, pois resguarda a vida do trabalhador.
– Segurança sanitária:
O Juízo esclareceu que, por mais que o reclamante já tenha superado o vírus covid-19, essa fato não autoriza o mesmo a ignorar a existência do vírus e a possibilidade de reinfecção:
“O simples fato do autor já ter superado a COVID-19 não é fato que, por si só, o afaste de qualquer risco, devendo continuar classificado como grupo de risco, ressaltando-se que, mesmo que a pessoa já tenha sido vacinada com qualquer das vacinas existentes no mercado, não existe prova concreta de que não possa ser (re) infectado pelo vírus COVID19. O rígido padrão de segurança sanitária em razão da pandemia é plenamente justificável no atual momento histórico que vivemos, seguindo as determinações da CLT. É direito do empregado um ambiente de trabalho seguro e saudável, sendo a norma supra citada o cumprimento das obrigações do empregador com a ajuda do Ministério Público.”
– Direito coletivo:
Ainda, o Magistrado pontuou que, além do direito individual, deve-se levar em conta também o direito coletivo, ou seja, aplicando-se ao caso concreto, o meio ambiente de trabalho.
Segundo o artigo 225 da Constituição Federal, “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo para as presentes e futuras gerações”.
Assim, no atual momento de pandemia, a reclamada deve se preocupar não só com a saúde de seus funcionários, mas também com a de terceiros:
“Repito, ainda que a vida fosse disponível, a presença do autor no ambiente interno ou externo de trabalho pode gerar risco de transmissão para terceiros. O vínculo de relacionamento com os demais colegas de trabalho pretendido pode ocasionar a ifecção e, no pior dos cenários, a morte de um dos companheiros de trabalho ou de terceiros, isto considerando apenas estes, já que, incontroversamente, o reclamante não se mostra preocupado com sua própria vida, vez que assume, spont sua, o risco de retornar ao trabalho. É obrigação dos empregadores defender o meio ambiente de trabalho e geral, sendo sua responsabilidade objetiva, orientando-se pela teoria do risco integral, segundo a qual, quem exerce uma atividade da qual venha ou pretende fruir um benefício, tem que suportar os riscos dos prejuízos causados pela atividade, independentemente da culpa. Acolher a súplica do trabalhador seria, no entendimento deste julgador, elevar seu direito de gozar de uma vida com qualidade, em detrimento de prejuízos causados a saúde de seus companheiros de trabalho. Francamente, a situação ora analisada não pode ser resolvida analisando-se, apenas, autor e réu da ação, ao reverso, qualquer decisão tomada por este juízo nos presentes autos deve ter responsabilidade com terceiros que, direta ou indiretamente, sofrerão as consequências do entendimento aqui chegado.”
– Manutenção psicológica e física do reclamante:
O pedido de retorno ao trabalho presencial com o objetivo de restaurar a saúde psicológica e física do reclamante não é capaz de superar a restrição imposta a toda a coletividade, segundo o Magistrado.
Explanou que há outras opções para fins de sanar a moléstia adquirida pelo reclamante como, por exemplo, a prática de esportes e de demais atividades de uma vida normal, com as devidas recomendações sanitárias.
Ainda, finaliza:
“É incontestável que todos nós temos direito ao lazer, ao trabalho e a diversos outros direitos fundamentais, entretanto, quase todos os direitos fundamentais sofreram restrições, em face do direito à vida. Nada mais justo que esse dissabor da vida seja suportado pelo reclamante. Diga-se, ainda, que mesmo em se falando de direitos fundamentais, estes não são absolutos, podendo ter seu alcance mitigado em prol de terceiros.
(…)
O “novo normal” não agrada a todos, mas deve ser respeitado. A empatia de toda a sociedade será necessária para superarmos esse marco histórico.”
Dado o desfecho da ação, a Caixa Econômica Federal informou que “reitera seu estrito respeito às decisões judiciais”.