Em uma decisão significativa para a proteção dos direitos dos consumidores superendividados, a 1ª Vara Cível de Santos, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, autorizou a repactuação das dívidas de um servidor público, cujo nome não foi divulgado, com base na legislação que visa assegurar o mínimo existencial. O caso, registrado sob o processo nº 1012196-45.2023.8.26.0562, envolve o Banco de Brasília (BRB) e outras instituições financeiras.
O servidor, com renda bruta mensal de R$ 29.699,48 e líquida de R$ 23.168,36, argumentou que seus encargos financeiros mensais, resultantes de diversos contratos com os réus, somavam R$ 39.348,53, excedendo 169% de sua renda líquida. Ele solicitou a repactuação das dívidas e a autorização para depositar mensalmente em juízo o montante de R$ 8.108,92, equivalente a 35% de sua renda líquida, até que uma solução definitiva fosse alcançada.
Os réus, incluindo o BRB, contestaram o pedido, defendendo a legalidade das cobranças e alegando ausência de ilicitude nas operações de crédito. Eles também argumentaram que a Lei 14.181/2021, que trata do superendividamento, não deveria ser aplicada retroativamente aos contratos firmados antes de sua vigência.
O juiz Raul Marcio Siqueira Junior, ao analisar o caso, destacou que os documentos apresentados pelo autor demonstram claramente sua situação de superendividamento, comprometendo seu mínimo existencial. A decisão ressaltou que a prática de marketing agressiva por parte das instituições financeiras contribuiu para a contratação excessiva de créditos pelo autor, violando seu direito básico de práticas de crédito responsável e de prevenção ao superendividamento.
O magistrado enfatizou que a repactuação das dívidas é uma medida excepcional de intervenção judicial na relação contratual, destinada a ajustar o cumprimento das obrigações sem comprometer o mínimo existencial do consumidor. Nesse sentido, a decisão equipara a situação do consumidor superendividado à de uma recuperação judicial, permitindo um ajuste dos pagamentos de forma sustentável.
Com base no plano de pagamento apresentado pelo autor, o juiz homologou a repactuação das dívidas, limitando todo e qualquer desconto na folha de pagamento ao valor da parcela estipulada. Foi estabelecida uma multa de R$ 10.000,00 para cada ato de descumprimento dessa determinação. Além disso, foi vedado qualquer outro desconto, cobrança ou negativação com base nos contratos repactuados.
A decisão também defere a justiça gratuita ao autor e condena os réus ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% do valor da causa. A sentença, que ainda pode ser objeto de recurso, representa um importante precedente na proteção dos consumidores superendividados, reforçando a importância da responsabilidade das instituições financeiras na concessão de crédito.
Advogados e consumidores devem observar esta decisão como um marco na aplicação da Lei 14.181/2021, destacando a importância da garantia do mínimo existencial e das práticas de crédito responsável.