No Estado de Santa Catarina as normativas que regulamentam a cobrança do ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação) são a Lei Estadual nº 13.136/2004 e Decreto nº 2.884/2004.
Uma das principais deficiências da aludida legislação é a equiparação da extinção do usufruto, por renúncia ou morte do usufrutuário, à doação pura e simples, para fins de incidência do tributo. Veja-se:
Lei nº 13.136/2004:
Art. 12. Depende da comprovação do pagamento do imposto, da concessão do parcelamento ou do reconhecimento do direito à imunidade ou isenção:
I – a lavratura de escritura de inventário, de partilha, de separação e divórcio consensuais e de doação:
a) de bem imóvel, bem como a de instituição ou de extinção da superfície, da servidão, do usufruto, do uso e da habitação; (grifou-se)
Decreto nº 2.884/2004 (RITCMD):
Art. 1º O Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos – ITCMD, tem como fato gerador transmissão “causa mortis” ou a doação, a qualquer título, de:
(…)
II – direitos reais sobre bens móveis e imóveis; e
…
3º Nas transmissões de direitos reais sobre bens móveis e imóveis ocorre o fato gerador na instituição e na extinção da superfície, da servidão, do usufruto, do uso e da habitação. (gifou-se).
Em que pese o disposto nas normativas estaduais, há de se ressaltar que o ITCMD somente é exigível, por expressa previsão constitucional (Art. 155, inciso II, da CF/88), quando ocorrer a transmissão da propriedade de bens ou direitos em razão de falecimento ou doação.
No caso específico do usufruto, a transferência do patrimônio ocorre no momento da instituição, haja vista que o usufrutuário somente conserva o direito à posse, uso, administração e percepção dos frutos do bem, consoante disposto no artigo 1.394 do Código Civil.
Veja-se que em nenhum momento o legislador deixa qualquer lacuna acerca da interpretação do conceito de usufruto, visto que não se fala mais na figura da “propriedade”, mas apenas da “posse”.
Nessa direção, leciona o doutrinador SILVIO DE SALVO VENOSA que o “usufruto é um direito real transitório que concede ao seu titular o poder de usar e gozar durante certo tempo, sob certa condição ou vitaliciamente de bens pertencentes a outra pessoa, a qual conserva a sua substância” (Direito Civil, Direitos Reais, 8ª Edição, ed. Atlas, SP, 2008, p. 453). (grifei).
Diante de tal premissa, não há o que se falar em “fato gerador” do ITCMD quando da extinção do usufruto, uma vez que, repete-se, não há qualquer transferência de patrimônio.
Em verdade, a legislação catarinense criou um novo fato gerador para incidência do tributo, o que colide com o disposto na Constituição Federal e até mesmo com o Código Tributário Nacional.
No ponto, o artigo 110 do CTN dispõe que “A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance dos institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal (…)”.
Logo, se a Constituição Federal definiu como fato gerador do ITCMD a transmissão da propriedade por meio do recebimento de herança ou legado ou a título de doação de bens ou direitos, não se pode alterar a natureza jurídica de tais conceitos com o objetivo de cobrar o tributo em momento distinto.
Importante citar que o próprio Tribunal de Justiça de Santa Catarina já decidiu pela não incidência do ITCMD quando do cancelamento/extinção do usufruto, justamente sob o fundamento de que não verificado fato gerador (Reexame Necessário nº 0309343-88.2016.8.24.0018).
Além disso, ao julgar o ARE 911565/MG, ainda no ano de 2016, o Ministro do STF Celso de Mello, não conheceu do Recurso Extraordinário interposto pelo Estado de Minas Gerais em face de decisão que afastou a incidência do ITMCD na extinção do usufruto por morte do usufrutuário, observando:
(….)
Tenho, pois, que com a morte do usufrutuário inexiste a transmissão do bem imóvel, não havendo, pois, falar em ocorrência do fato gerador do ITCD, mostrando-se arbitrária e ilegal a exigência de quitação do ITCD para que se proceda à averbação da extinção do usufruto. ”
(…)
Note-se que mesmo com posicionamentos judiciais desfavoráveis ao texto legal, as legislações catarinenses permanecem em vigor, essencialmente pelo fato de que a maioria dos contribuintes acaba efetivando o pagamento do tributo ao invés de ingressar com ação judicial para afastar a sua incidência.
Ainda, no tocante ao usufruto, há se trazer à baila que a legislação atual que regulamenta o ITCMD se encontra vigente desde o ano de 2004, assim como a exigência do pagamento ocorre em duas etapas: Instituição (50%) e Extinção (50%).
Ocorre que, antes da vigência da aludida legislação, a cobrança ocorria integralmente, ou seja 100%, no momento da instituição.
Tendo em vista que o usufruto geralmente se estende por um longo lapso temporal (toda a vida do usufrutuário), é corriqueira a situação de a sua instituição ter ocorrido antes de 2004 (período anterior a vigência da atual legislação) e que a extinção ocorra em período posterior.
Nesse caso em específico, mesmo tendo sido exigido o pagamento de 100% do tributo quando da instituição, o fisco vem efetuando regularmente a cobrança de 50% quando da extinção.
Logo, na hipótese narrada, o contribuinte efetua o recolhimento do percentual de 150% a título de ITCMD.
Logicamente tal prática também é inconstitucional, haja vista que viola de forma explícita o princípio da vedação ao tributo com efeito de confisco, disposto no artigo 150, inciso IV, da Constituição Federal.
Na lição de Hugo de Brito Machado, “tributo com efeito de confisco é tributo que, por ser excessivamente oneroso, seja sentido como penalidade”[1].
É evidente que a exigência de percentual equivalente à 150% é excessivamente oneroso ao contribuinte.
Portanto, por qualquer prisma que se analise, a legislação catarinense claramente fere diversos dispositivos constitucionais, exigindo do contribuinte o pagamento de tributo indevido, além de se beneficiar da alteração da legislação para cobrança de valores excessivos.
Cabe ao contribuinte, dessa forma, não aceitar a tributação indevida e buscar seus direitos junto ao Poder Judiciário, haja vista que administrativamente certamente não logrará êxito, eis que tal prática vem ocorrendo de forma reiterada há mais de 15 (quinze) anos.
[1] MACHADO, Hugo de Brito. Os princípios jurídicos da tributação na Constituição de 188. 3. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 92.